quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Deus Remunerador

4º Domingo depois da Epifania (Segundo a forma extraordinária do Rito Romano)

Evangelho: Mt 8,23-27

23. Subiu ele a uma barca com seus discípulos.
24. De repente, desencadeou-se sobre o mar uma tempestade tão grande, que as ondas cobriam a barca. Ele, no entanto, dormia.
25. Os discípulos achegaram-se a ele e o acordaram, dizendo: Senhor, salva-nos, nós perecemos!
26. E Jesus perguntou: Por que este medo, gente de pouca fé? Então, levantando-se, deu ordens aos ventos e ao mar, e fez-se uma grande calmaria.
27. Admirados, diziam: Quem é este homem a quem até os ventos e o mar obedecem?

Comentário Apologético
Já vimos que há um Deus Criador e Conservador... estas duas noções importantes completam-se pela noção de Deus remunerador.

Esta palavra significa que Deus recompensa ou castiga a sua criatura racional, - o homem, conforme obedece ou desobedece às leis que lhe são traçadas pelo Criador.

O Evangelho de hoje nos mostra os Apóstolos em luta contra a fúria do mar, enquanto Jesus dormia sossegado no fundo da barca.

Em seu terror aproximam-se de Jesus, clamam e pedem socorro; e na hora mesma, Jesus recompensa a sua confiança e põe um freio às ondas em revolta.

Estudemos hoje este assunto importante, examinando com amor estes dois pontos importantes que dizem respeito à remuneração.

1º. Em que consiste a remuneração divina.
2º. As provas desta remuneração.

O homem sendo atraído ao bem pela esperança de uma recompensa e afastado do mal, pelo temor, estas considerações nos estimularão no cumprimento do nosso dever.

I. A remuneração ou sanção

Existe uma lei divina: é certo.

Ora, toda lei deve ter uma sanção.

Logo, Deus não pode tratar do mesmo modo os que cumprem esta lei e aqueles que a desobedecem e deve, necessariamente, em virtude da sua justiça, recompensar os bons e castigar os maus.

Esta sanção é imperfeita e perfeita.

Ela é imperfeita neste mundo para os indivíduos, porém ela é perfeita para as nações. A razão é que os homens têm um destino eterno e podem receber na outra vida uma sanção perfeita: o céu para os bons, o inferno para os maus.

As nações tendo apenas uma existência terrestre, recebem, aqui na terra, a recompensa ou o castigo de seus atos.

Na terra Deus aplica a sanção imperfeita:

- Pela voz da consciência, que aprova ou condena, que é alegre ou cheia de remorsos, conforme os nossos atos.

Fazendo um ato bom, sentimos uma aprovação interior deste ato, uma consolação que sustenta e anima; ao passo que, fazendo o mal, sentimos uma espécie de mordedura no coração, um desgosto íntimo: é o remorso. Nem os aplausos do público, nem a fortuna, nem as honras são capazes de impor silêncio a este testemunho inexorável.

O homem mau, embora rico e honrado pelo mundo, ouve no meio dos prazeres, sorrisos e adulações, uma voz estridente que lhe brada: - Tu és um miserável! Tu não mereces estas honras!

II. As provas desta remuneração

A remuneração ou sanção imperfeita é visível, palpável. Basta observar os fatos; porém lá não se limita a sanção divina: há uma outra perfeita na outra vida.

De fato, a sanção temporal falta muitas vezes e deve faltar. Porque, se os justos fossem sempre recompensados neste mundo e os maus sempre castigados, os homens serviriam a Deus por interesse temporal, por medo, por egoísmo e não por amor e, deste modo, a ordem moral, fundada sobre a obediência livre seria completamente destruída.

É preciso, pois, que haja uma sanção perfeita na outra vida, que consiste numa recompensa eterna ou num castigo sem fim.

Tal sanção eterna nos é revelada pela fé e não pela simples razão. Podemos, entretanto, mostrá-la por motivo da razão.

a) Corresponde às aspirações da nossa natureza;
b) É admitida por todos os povos.

A nossa natureza aspira de toda sua força a uma felicidade integral, sem fim. Ora, não encontramos aqui na terra uma tal felicidade. Logo, deve existir na outra vida.

É duro, sem dúvida, o pensamento de um castigo eterno para as faltas cometidas neste mundo e não expiadas, porém, basta lembrar-nos:

a) de que o homem morto num estado de rebelião voluntária contra Deus, fica fixado definitivamente neste estado, de modo que não pode mais ser objeto de qualquer recompensa.

b) de que se o castigo do crime não fosse eterno, a sanção imposta por Deus seria impotente para fazer evitar o mal e a sua justiça poderia ser insultada impunemente pelo pecador, que poderia dizer-lhe: Tu serás obrigado a perdoar-me um dia, ou a aniquilar-me; e num ou noutro caso, escaparei aos teus rigores.

III. Conclusão

Os homens admitem facilmente a eternidade de felicidade, mas repugna-lhes a eternidade de suplícios.

A segunda, entretanto, é a conseqüência necessária da primeira. Se Deus é justo e bom, Ele deve recompensar a virtude... e quem recompensa a virtude deve necessariamente castigar o mal, pois é a destruição da virtude.

Para todo o pecado há misericórdia neste mundo; não porém no outro. A razão é simples.

Neste mundo o homem pode converter-se, porque passado o instante do pecado, resta-lhe outro instante em que pode arrepender-se.

A eternidade é um ponto imutável; não é uma sucessão sem fim de séculos, anos e minutos, mas sim um presente eterno, sem futuro e sem outro passado senão o da terra.

Uma vez entrado neste presente eterno, não há mais mudança possível: qual se entra, tal se fica.

O justo entra e fica justo: recebe a recompensa. O mau entra e fica mau: logo o castigo abate-se sobre ele, enquanto for mau: e não podendo mais mudar, fica mau eternamente e merece como tal um castigo eterno.

Exemplos
1. No tribunal revolucionário
Um sacerdote compareceu perante o tribunal revolucionário de Lião.
- Crês tu no inferno? Perguntou o Juiz ateu.
- Oh! Como poderia duvidar do inferno, respondeu o Padre, vendo o que se passa aqui na terra!? Se tivesse sido incrédulo, neste momento me tornaria crente.
Nada, de fato, prova melhor a existência de uma sanção futura do que a impunidade de que gozam os maus neste mundo.
Inútil será dizer que o corajoso sacerdote foi logo condenado à morte.

2. Uma palavra do Padre Grange
Alguém disse diante do Padre, grande Apologista popular.
- Não creio no inferno: ninguém voltou de lá para dizer-nos o que há no além.
- Cuidado, respondeu o Padre, isto prova que quem entra no inferno não sai mais.

3. Miguel Ângelo
Quando Miguel Ângelo pintava o célebre quadro do Juízo final, na Capela Sistina do Vaticano, um Camareiro do Papa criticou um dia a obra do mestre. Este, para vingar-se, pintou o camareiro, tendo orelhas de burro, no meio dos réprobos, enroscado nas dobras de uma serpente.
O camareiro foi queixar-se ao Papa, pedindo-lhe que mandasse apagar este retrato.
O Papa perguntou-lhe sorrindo: Onde é que te colocaram?
- No inferno, no meio dos réprobos, Santo Padre.
- Oh, então, retrucou maliciosamente o Pontífice, é impossível; se te tivessem metido no purgatório, eu poderia ajudar-te, no inferno porém, é impossível. Sabes muito bem: quem lá entra, aí fica!