terça-feira, 29 de março de 2011

A Agonia no Jardim - Parte 2/2

[UPDATE:] Favor conferir a ERRATA!
Pois bem: onde os olhos da carne vêem a fraqueza, os olhos da razão, iluminada pela fé, vêem a força. Esta luta, diz S. Ambrósio, não é a luta de Jesus Cristo no temor da Sua Paixão; mas no desejo inflamado de no-la aplicar. É a luta entre dois atributos de Sua própria natureza divina: a justiça e a misericórdia. A Justiça, que representa o Pai, parece dizer, inflexível a Jesus Cristo: “Separa a tua causa da dos pecadores; deixa-Me derramar a Minha cólera sobre a posteridade proscrita de um pai culpado”. Mas a Misericórdia, que representa o Filho, parece responder ao Pai: “Não, nunca! Eu não deixarei de combater, de sofrer, de chorar até que os pecadores sejam postos no Meu lugar, sejam perdoados em Mim. Eu aceito sobre os Meus ombros o peso das suas faltas; Eu incorporo-os todos; Eu me revisto do opróbrio de todos os pecados; Eia, corram todos eles; entrem como torrentes transbordadas, no mar do Meu coração. Como todos os rios se precipitam no mar, as iniqüidades no mundo inteiro precipitem-se sobre a Minha alma; e, assim como o mar absorve todas as águas, que o Meu coração afogue todos os pecados.”

E a justiça emudece! A misericórdia triunfa! Oh! suprema ventura do Amor.
Era isto o que Ele desejava desde o presépio.

A Sua agonia não é, portanto, dizem os padres da Igreja, uma luta entre o espírito e a carne, entre a vontade divina e a vontade humana. Não é uma repugnância pelo sofrimento: é uma santa impaciência do amor.

Qual de vós, se pudésseis, para verdes a pessoa que amais, não transformareis em olhos todos os membros de vosso corpo?!

Dois olhos também não bastaram a Jesus Cristo, diz um ilustre doutor, para chorar a desventura possível dos que Ele ama: transformou em olhos todos os poros do Seu corpo, pelos quais, transformadas em sangue, correram as Suas lágrimas!

Mas, se é assim que Jesus Cristo nos ama, ao ponto de se revestir dos nossos pecados, como Seus próprios; sofrer as humilhações deles; experimentar o desgosto e o terror que eles inspiram e a contrição correspondente à sua enormidade; que loucura não é a nossa se desprezamos tamanho amor?!

Ele tomou a responsabilidade da pena; mas não a malícia da falta.

Tomou a superfície, a aparência, mas não a natureza, a substância do pecado, que não perverteu a Sua vontade, nem maculou a Sua inocência.

É preciso, portanto, que nos associemos às Suas lágrimas e às Suas dores; que demos a nossa o suplemento da Sua contrição.

Se a simples aparência do pecado tornou-Lhe tão severa a justiça do Pai, que severidade não merece em nós a realidade do pecado?!

Se, portanto, desde mistério não tiramos como ensino o ódio do pecado, e o desejo de repará-lo pelos méritos de Jesus Cristo, de nenhum proveito nos pode ser a Sua mediação.

Esta foi a mais heróica que o Amor nos podia dar. Para resgatar o mundo, Deus não precisava derramar o Seu sangue; podia fazê-lo por uma infinidade de meios que não alcança a nossa imaginação. Entretanto, a efusão de Seu sangue pareceu-Lhe o meio mais condigno da Misericórdia, e o mais capaz também de enternecer os nossos corações. Ainda mais: uma vez decretado que a redenção se fizesse pelo sangue, uma gota, sem dúvida, do sangue divino bastava, pelo seu mérito infinito, para remir este e todos os mundos possíveis. Que digo eu?! Uma gota de sangue?! Bastava uma lágrima, um suspiro, um gemido, uma simples súplica de Jesus Cristo. Entretanto, derrama-o com prodigalidade, em diversas e abundantes efusões: na Circuncisão, que foi como que a impaciência do precioso Sangue; na Agonia, que foi a antecipação da Paixão; na Flagelação, que foi o sangue de Deus dado em espetáculo à cidade e ao povo; na Coroação de espinhos, que foi o tributo pago pela cabeça divina aos pensamentos inefáveis da salvação; no Caminho do Calvário, que foi os esposais do Precioso Sangue com a Cruz; no Calvário, que foi o Seu consórcio; na abertura do Sagrado Coração, que foi o testemunho póstumo do amor de Jesus Cristo, derramando Seu sangue ainda depois de morto

Ora, como diz brilhante teólogo, não há superfluidade, nem ornamentos vãos nas obras de Deus. Se Ele, portanto, derramou o Seu sangue com tanta prodigalidade, é que a nossa condição o exigia, e neste sentido o Precioso Sangue, tão necessário à onipotência divina para salvar o mundo, o era, entretanto, a Sua misericórdia, e a nossa miséria, tão enorme que foi preciso o Precioso Sangue, como um oceano transbordado, alagasse o mundo e viesse até as nossas almas por esses sagrados canais que se chamam os sacramentos: o Batismo, que não é senão o precioso Sangue dando a uma gota d’agua o poder de operar uma revolução espiritual maior que todas as criações do mundo material; a Penitência, que não é senão a aplicação autêntica do Precioso Sangue sobre a cabeça do pecador arrependido; o Matrimônio, que não é senão a figura do casamento do precioso Sangue com a Igreja; a Confirmação, que não é senão o vigor do precioso Sangue comunicado pelo Espírito Santo; a Extrema-Unção, que não é senão o Precioso Sangue  dando ao óleo o poder de fortificar o moribundo; a Ordem, que não é senão o coração terrestre, o vaso que guarda o precioso sangue; a Eucaristia, que não é senão a ubiqüidade do Precioso Sangue, multiplicado em milhares de hóstias e milhares de cálices!

E que seria o mundo sem o sangue de Jesus Cristo?

O mundo seria insuportável, a vida sem esperança, as desgraças sem consolação.

Quaisquer que sejam as pretensões da ciência; qualquer que seja a presunção do espírito moderno; é o sangue de Jesus Cristo que detém suspensa sobre o mundo a cólera divina; que permite ainda a humanidade, no meio de tantos erros, calamidades e tristezas, algumas felicidades no seu exílio.

Vinde; vinde vós todos, espíritos modernos, inchados da vossa filantropia, que pretendeis dar aos homens testemunhos ainda não vistos de fraternidade, sempre prometida, nunca realizada pelas vossas ciências, pelas vossas filosofias, pelas vossas políticas; vinde ver, vinde aprender na Agonia do Jardim como se ama a humanidade.

E vós também, falsos profetas, Messias impostores do século 19, que prometeis aos povos novas religiões, e os quereis convencer de que eles devem esperar maiores e melhores provas de amor de Deus; vinde ver na Agonia do Jardim se o amor de Jesus Cristo pode ser excedido!

Vinde vós todos, também, espíritos modernos, que na tragédia, no drama, no romance, na música, na pintura ou escultura, tendes alimentado a ardente ambição de ver realizado na terra o ideal do Amor; vinde – vinde vê-lO realizado na Agonia do Jardim!

Tudo o que a imaginação pode conceber; tudo o que o coração pode desejar; tudo o que a alma humana pode sonhar – ei-lo realizado!

Todas as ciências, todas as literaturas, todas as artes não podem traduzir um ideal igual.

A Agonia no Jardim é a última palavra do amor.

É o sacrifício completo, não imposto por uma força exterior, pelas prevaricações da justiça, pela crueldade dos judeus, pela brutalidade dos carrascos, mas pela própria vontade da vítima.
 
É a vitima sacrificada pelo gládio inflamado do Seu próprio amor.

Jesus Cristo tinha dito que o Seu sacrifício seria voluntário: voluntarie sacrificabo tibi.

Pois bem; o que no Calvário, diz um padre, poderia parecer resultado de vontade exterior, no Jardim mostra-se como o resultado da própria vontade de Jesus Cristo.

Ali, nem tormentos, nem golpes, nem feridas.

A traição de Judas, a injustiça de Pilatos, a crueldade dos carrascos não têm parte no sacrifício. Nenhum delito desonra tão grande sacramento; nenhuma infâmia macula uma oferenda tão pura; nenhuma boca escarnece tão divina imolação.

O amor é a Sua própria vitima, o Seu próprio altar, o Seu próprio pontífice.

E o sacrifício de Jesus Cristo é completo; porque Sua vontade é o instrumento que Lhe abre as veias, Sua santidade é o altar onde corre o sangue, e o amor é o pontífice que O oferece ao Pai!

 (A Paixão, pelo Padre Júlio Maria, Cruzada da Boa Imprensa - Rio, ano de 1937)

domingo, 27 de março de 2011

A Confissão

Meditação do Evangelho de Mateus, 9, 1-8.


Notemos bem a primeira palavra de Jesus, dirigida ao paralítico: tem confiança, filho, que os teus pecados te são perdoados!

Todo pecador é um paralítico: E todos nós somos pecadores!

O viciado é um leproso: já vimos como Jesus cura os leprosos; vejamos hoje como Ele cura os paralíticos espirituais: é pelo sacramento da confissão.

A confissão é o grande sacramento da misericórdia divina.

Já tratamos dele (I domingo da páscoa). Vejamos hoje outro aspecto da confissão, mostrando:

1. A sua necessidade.

2. As suas doçuras.

I – Necessidade da Confissão

A confissão corresponde admiravelmente a todas as necessidades de nossa alma; e esta perfeita adaptação é uma prova da sua divindade.

A confissão tem por fim arrancar o mal do coração do homem.

Ora, o mal contém três elementos: o orgulho, a concupiscência, a revolta.

O pecador repete, em atos senão em palavras, o brado orgulhoso de Lúcifer: Nom serviam!

O orgulho leva o homem a rejeitar e desprezar a lei do Criador.

O homem prefere obedecer às suas paixões, deixando-se levar pela concupiscência; e como encontra um obstáculo – a lei divina – ele se revolta.

A confissão cura este mal com os três elementos opostos. De fato, a confissão inclui três atos essenciais:

A humildade, oposta ao orgulho;
O sacrifício, oposto à sensualidade;
A obediência, oposta à revolta.

O pecador é obrigado a ajoelhar-se aos pés de hum homem, seu igual como homem, seu mestre e juiz pela dignidade: é um ato de humildade.

O pecador deve declarar suas misérias: é um sacrifício.

Enfim, ele deve cumprir a penitência imposta: é um ato de obediência.

Eis como Deus destrói, até à raiz, o mal que cometemos. Ele nos castiga com três atos opostos aos atos do mal cometido... mas se Ele castiga, Ele cura e consola também, como vamos ver.

II – As doçuras da Confissão

A confissão é sobretudo um remédio, mas todo remédio é amargo.

Deus, que é Pai, que dulcificar a amargura do remédio, passando um pouco de mel na beira do cálice que Ele nos apresenta... e chega até a misturar o mel com o próprio remédio.

De que coisa precisa o pecador arrependido? De três coisas: consolação, luz e perdão.

Oh! Quanto nós precisamos de consolação! Há horas tristes na vida... há amigos falsos e inconstantes... há traições... Há Pilatos e Judas em grande número. Daí os desesperos... os suicídios! O pecado é um abcesso cheio de pus, que faz sofrer horrivelmente. A confissão é como uma lanceta que abre o apostema. O sacerdote é um amigo fiel... um consolador incomparável.

Nós precisamos também de luz! Jesus Cristo nos trouxe um duplo luzeiro: um luzeiro geral e um particular. O primeiro indica o caminho. O segundo mostra as pedras e os espinhos do caminho. O primeiro é a pregação e o segundo é a confissão. Precisamos de luz, para ver nossas fraquezas. A pregação nos faz olhar para o céu. A confissão nos faz olhar para nós. A pregação nos mostra o ideal. A confissão mostra como devemos abraçá-lo. A primeira, é a luz da inteligência. A segunda é a luz do coração.

Precisamos ainda de perdão. A sociedade castiga, não perdoa. A sociedade avilta e, cumprido o castigo, não reabilita... mas deixa a vítima entregue à sua miséria. Um assassino, por exemplo, pode chegar a todas as honras... mas o povo, ao vê-lo cercado de glória, murmura sempre: é um assassino! E seus filhos, embora inocentes, são filhos de um assassino.

Só Deus perdoa, reabilita, apaga tudo: esta é a obra prima da confissão.

A confissão fere, humilha, mas reabilita e consola.

O pecador, uma vez perdoado, está regenerado: é de novo filho de Deus, como se nunca houvesse pecado. Isto prova a divindade da confissão.

III – Conclusão

Adorável invenção de um coração de Pai amoroso: a confissão é uma necessidade para os homens, pois são pecadores; mas é também uma consolação, pois Deus conhece as amarguras da vida.

Deus instituiu este sacramento da misericórdia para destruir o mal no homem, este mal, sendo o orgulho, a concupiscência e a revolta, o remédio deve ser: a humilhação, o sacrifício e a obediência.

Deus suaviza todo sacrifício; ele quer também suavizar o sacrifício da confissão. O pecado deixa no homem tristeza, trevas e remorso.

E eis que Deus arranca estas raízes amargas, dando, ao arrependido que as confessa, consolação, luz e perdão.

Oh, como é divinamente belo... e divinamente paternal!

É o sacramento da misericórdia divina. 


Pe. Júlio Maria De Lombaerde, "Comentário Dogmático do Evangelho Dominical", págs 287-292


***

Oferecemos este texto sobre a Confissão no III Domingo da Quaresma. Nesse período de reflexão e de penitência, o Sacramento da Reconciliação ocupa lugar privilegiado em nosso relacionamento com Deus.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O ostensório de Jesus

Naquele instante pleno de respeito
O anjo trouxe o Santíssimo Jesus
E no ostensório branco de seu peito
Maria colocou a eterna luz.

Em Belém - em um tosco berço feito
De palhas, com o olhar que o céu seduz,
Ela beija - é seu Filho- ali num leito,
Preâmbulo do leito lá da cruz!

Assim nas alegrias e nas dores
Maria abraça o filho em mil carinhos,
Sempre ostensório, em maternais amores!

Daquela flor Maria hauriu o aroma,
Porém tocou também nos seus espinhos,
E hoje no altar o seu papel retoma!

Dos "Sonetos Eucarísticos do Frei Solitário, SDN"


quarta-feira, 23 de março de 2011

A Agonia no Jardim - Parte 1/2

[UPDATE:] Favor conferir a ERRATA!
As iniqüidades do mundo inteiro, como rios transbordados, precipitaram-se no mar do Meu coração.

O ideal do Amor, enfim, contente, repleto de venturas, satisfeito, eis a Agonia no Jardim: o primeiro, o maior e o mais misterioso dos episódios da Paixão.

O altar do Seminário Apostólico N. Sra. do SSmo. Sacramento,
em Manhumirim-MG, preparado para a Quaresma
O primeiro, porque na ordem do tempo, de modo exterior e visível, ele a começa; o maior, porque ele reitera todas as imolações do Homem-Deus, desde o primeiro vagido do Presépio até ao derradeiro gemido do Calvário; o mais misterioso, não só porque ele antecipa todos os sofrimentos corporais da vítima, mas também porque, onde os olhos da carne não vêem mais que uma luta, um combate, uma agonia, os olhos iluminados da fé contemplam a suprema ventura do Amor.

Eu vos disse anteriormente que, obra de Deus, a Cruz é a obra prima da alegria.

Obra de Deus neste sentido: conquanto os opróbrios, as ignomínias, os sofrimentos todos de Jesus Cristo fossem resultado da perversidade judaica, verdadeiros pecados do povo deicida, o Filho de Deus ab-oeterno aceitou-os, ab-oeterno resolveu tirar da iniqüidade a Sua glória, convertendo em instrumentos de Seu triunfo as humilhações da Sua Paixão.

Foi voluntariamente que Jesus Cristo Se sacrificou: oblatus est quia ipse voluit.

Sob este ponto de vista, portanto, a Cruz é obra de Deus, e obra prima da Alegria, porque Deus é uma imensa alegria, que se comunica a todas as Suas criações, e, pois comunicou-Se também à humanidade santa do Verbo, perfeitamente feliz e bem-aventurado em todos os instantes da Sua existência terrestre.

A Agonia no Jardim não foi por isso, apesar de todos os sofrimentos, menor que a suprema ventura do Amor.

O Amor! Ele é a seiva do universo; a energia atrativa de toda a criação; circula no ramo vive na flor, no pássaro, no inseto; produz e perpetua a vida.

Diz um antigo hino grego: “O Eterno disse ao Amor: que tudo se organize; e tudo se organizou!”

Se no mundo físico o amor é o pólo da criação; no mundo moral é a alma do gozo, a vida da alegria. Sem dúvida, na sua verdade e pureza, o amor é raro, como é raro o gênio, raro o heroísmo, rara a formosura, raro tudo que se aproxima da perfeição. Ainda assim, na vida ele é para nós o tipo supremo da felicidade.

Falando do espírito das trevas, dizia a maior contemplativa do nosso tempo, Teresa de Jesus: “desgraçado! Ele não ama!” Eis como que o sinete da desgraça: - não amar.

Não há no céu, nem na terra, diz o livro da Imitação, coisa mais doce, mais forte, mais sublime, mais ampla, mais deliciosa, mais completa nem melhor que o Amor.

Esse amor de que nos fala o sublime poema monástico nasceu de Deus e não pode, como o mesmo poema acrescenta, descansar senão em Deus, elevando-se acima de todas as criaturas.

Não obstante, quaisquer que sejam as vicissitudes e imperfeições da humanidade, são muitas na terra as venturas do amor satisfeito: impossível seria o enumerá-las.

Vede: gozar, possuir uma alma, mesmo na ordem da natureza; mas é sublime! O que será possuí-la na ordem sacramental, divina?! Perguntai-o a ardente felicidade do coração juvenil, recebendo junto ao altar, das próprias mãos de Deus, um coração que para todo o sempre se engasta no seu!

Apertar em seus braços, revestido de sua carne, palpitante de seu sangue, o primeiro fruto de suas entranhas: que ventura! Perguntai-o a mãe fascinada pelos encantos do seu recém-nascido.

Imortalizar na ciência, na arte, na poesia ou na religião – uma idéia que aprendeu a verdade, um pensamento que atingiu o belo, uma inspiração que traduziu o amor, uma palavra que revelou Deus: que inefável ventura! Perguntai-o ao sábio, ao artista, ao poeta, ao apóstolo. Libertar uma raça, regenerar um povo, reconstruir uma pátria: que ventura tão grande! Perguntai-o ao filósofo, ao estadista, ao guerreiro.

Pois bem: a alegria de todas as almas humanas, o prazer de todos os corações satisfeitos, a delícia de todos os amores: amor maternal, amor conjugal, amor fraternal, amor da pátria ou da humanidade; todas as venturas do gozo mais requintado: - o das lágrimas que os Santos derramaram nos seus delíquios, o da pureza que as virgens sentiram no seu corpo imaculado, o do sangue que os mártires derramaram em testemunho da verdade, - todas as venturas do coração humano reunidas são infinitamente menores que a ventura de Nosso Senhor na agonia do Jardim.

É aqui, na verdade, que Ele exteriormente, com inflamada caridade e intrépido valor, dá começo à Sua Paixão. É aqui que a parte inferior da Sua natureza parece inválida por indizível tristeza; e os açoites, os opróbrios, as bofetadas, as zombarias, as blasfêmias, a morte de Cruz – tudo isso que Lhe iam dar os Judeus com tanta vivacidade  o penetra que Ele já suporta todos esses males, e geme, e treme, e perde as cores e as forças, e como que se Lhes esgota a vida.

Ei-lO prostrado, com a face em terra, em agonia!

Trinta e três anos passaram sobre a Sua cabeça. É agora um homem em toda a força da idade.

Muitas vezes mostrou-Se fatigado. Fatigado quando, junto ao poço de Jacob, pedia à Samaritana um pouco dessa água, que Ele próprio criou.

Fatigado quando, nos dias do Seu penoso ministério público, refugiava-Se entre os rochedos.

Nunca, porém, tão fatigado como agora em que uma santa impaciência O domina: a de não poder esperar algumas horas o Seu desejado sacrifício.

Dentro de poucas horas, Ele será batido, flagelado, coberto de ignomínias, crucificado; o Seu sangue será derramado como água.

Ele, portanto, crucifica-Se a Si próprio, num martírio mais misterioso que o do Calvário. Antecipa a Sua Paixão. Reveste-Se de todos os pecados tão numerosos, variados e enormes de todos os homens. Cobre-se deste medonho vestuário que O inflama e queima como uma túnica de fogo.

Treme, todo penetrado do mais horrível dos terrores.

Todos os crimes do espírito; todos os crimes do coração; todos os crimes dos sentidos; todas as loucuras do mundo; todas as orgias da humanidade; o orgulho de todas as inteligências; a luxúria de todas as imaginações; todas as aberrações da ciência; todas as profanações da arte; todos os adultérios da poesia; todos os sacrilégios de todas as religiões, a ambição dos despostas; a tirania dos governos; os atentados da política; as iniqüidades da justiça; os abusos da filosofia; as violações da Moral; todos os escândalos do mundo; as abominações de Sodoma e Gomorra; as prostituições de Babilônia; as bacanais da Grécia; a ambição, a loucura, as crueldades de Roma; a idolatria de todos os povos pagãos; as perversidades da nação judaica; as iniqüidades de todos os povos modernos; as perfídias de todas as monarquias; as mentiras de todas as repúblicas; a hipocrisia das democracias; as imposturas da liberdade – todo este peso enorme oprime a cabeça de Jesus Cristo na Agonia do Jardim, enche de confusão a Sua alma e de amarguras o Seu coração!

É assim, desfigurado, que a Justiça Eterna O contempla, como Holocausto vivo que se Lhe oferece pelos crimes de todas as pátrias, também da nossa: - de todos os pecados privados de públicos do Brasil, das iniqüidades de seus magistrados, do ateísmo político de seus estadistas, das apostasias de seus governos, do paganismo das suas escolas, da irreligião prática de seus lares, da impiedade dos seus parlamentares, do ceticismo de seus jornais, da ignorância religiosa dos seus mestres, da apatia e dos sacrilégios dos seus padres, do seu repúdio oficial da fé católica; de todas as loucuras do espírito revolucionário que invadiu as plagas de Santa Cruz e não deixou entre a monarquia e a república solução de continuidade!...

Onde, me perguntareis agora, numa agonia tão grande que não há, para exprimi-la, nas línguas humanas, termos nem frases; onde ver a ventura de Jesus Cristo?! Por todos os poros de Sua carne desfiam gotas de sangue que inundam a Sua fronte, banham as Suas faces, molham os Seus cabelos, cobrem os Seus olhos, enchem a Sua boca, maculam as Suas barbas, tingem o Seu vestuário, e avermelham mesmo as oliveiras do Jardim!

Que agonia dolorosa e profunda!
Que sofrimento inaudito!


 (A Paixão, pelo Padre Júlio Maria, Cruzada da Boa Imprensa - Rio, ano de 1937)

domingo, 20 de março de 2011

Jejum e abstinência

Nesse II Domingo da Quaresma, apresentamos esse texto do Pe. Júlio Maria sobre o jejum e a abstinência. Foi retirado do livro polêmico Luz nas trevas. Não obstante o tom apologético, consideramos que é eficiente para despertar os bons sentimentos quaresmais.

***


I – A razão de ser


A Igreja, ciosa de seguir em tudo as prescrições e os conselhos do Divino Mestre, prescreveu o jejum e a abstinência, como penitência, em certos dias do ano.

O jejum consiste em privar-se de uma parte dos alimentos habitualmente usados, e refere-se à quantidade do mesmo alimento.

A abstinência consiste em privar-se de carne em certos dias, por espírito de penitência, e refere-se, pois, à qualidade do alimento.

Jesus Cristo prescreve o jejum sem indicar o dia deste jejum; aconselha esta prática como meio de alcançar o perdão das faltas, de expiá-las e de domar as paixões da carne. Tudo isto está claramente indicado na Bíblia.

Não tendo Jesus indicado o tempo, nem o dia destas penitências, cabe à Igreja determiná-los, para que os conselhos e preceitos do Salvador não fiquem esquecidos.

Percorramos, meu caro crente, os exemplos, os conselhos e preceitos do jejum, indicando bem os passos, para que o amigo os possa verificar em sua Bíblia.

II – Preceito do jejum

Digo logo, para espantar o meu amigo crente, que o jejum constitui não simplesmente um conselho ou uma lei eclesiástica, mas sim uma lei divina, como a oração e a esmola.

A prova é simples: o que Jesus Cristo une num mesmo preceito, deve possuir a força deste preceito. Ora, lemos em S. Mateus que o Salvador fez três preceitos para cumprir a lei e as profecias: esmola, oração e jejum.

O capítulo VI de S. Mateus é a majestosa exposição desta verdade. Jesus Cristo diz ao terminar: Quando jejuardes, não vos mostreis tristes... Ungi as vossas cabeças e lavai o vosso rosto... para não parecer aos homens que jejuais, mas a vosso Pai, que vos recompensará (16,17,18).

Em outro lugar o Salvador ensina que há tentações, que só se combatem à força de oração e do jejum (Mt 17, 20).

Ora, todos nós somos tentados. Todo homem é tentado pela sua própria concupiscência, diz S. Tiago (1, 14). Para resistir a estas tentações precisamos, pois, recorrer à oração e ao jejum.

Eis já o quanto é claro e irrefutável.

Examinemos agora se o tal preceito foi praticado pelo próprio Salvador.

III – Exemplo de Jesus Cristo                   

O grande modelo a imitar é Jesus Cristo. Ele é o caminho: Ego sum via veritas et vita (Jo 14,6). Ora, lemos em S. Mateus que antes de iniciar a sua grande obra – a fundação da Igreja – o Salvador foi conduzido ao deserto, onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4,1-2).

Como é que os amigos protestantes, que pretendem seguir a Bíblia à risca, não imitam a Jesus Cristo jejuando, em vez de atacarem o jejum praticado pelos católicos, em imitação do seu divino modelo? Que contradição! A Bíblia está repleta de exemplos de jejum. Em toda parte, em todas as necessidades encontramos a oração e o jejum, como duas práticas inseparáveis, para aplacar a Deus e obter os seus benefícios.

O jejum é como o sustento da oração. É boa a oração acompanhada do jejum, diz Tobias (12,8). Voltei meu rosto para o Senhor, meu Deus, para o rogar, o conjurar em jejuns, diz Daniel (9,3-4).

O ímpio Acab, provocando a justiça de Deus, por causa da vinha de Nabot, jejuou coberto de um cilício e alcançou certa indulgência.

Os ninivitas, urgidos que fizessem penitência, observavam o jejum, para alcançarem a clemência de Deus, etc., etc.

IV – A origem da quaresma

A quaresma, ou os quarenta dias de jejum, praticados na Igreja Católica, foi instituída pelos Apóstolos, em lembrança do Jejum de Jesus Cristo.

A prova desta asserção encontra-se na regra traçada por Santo Agostinho: “Toda prática, diz ele, recebida por toda a Igreja e cuja origem não pode ser atribuída nem a um bispo, nem a um papa, nem a um concílio, deve ser considerada como uma instituição apostólica.”

Ora, a quaresma foi sempre observada por todas as nações cristãs e não se pode fazer remontar a sua origem a uma instituição humana, posterior ao tempo dos apóstolos; logo foi instituída por eles.

Os amigos protestantes dizem que tal prática foi instituída pelo Concílio de Nicéia. É falso, pois o Concílio de Nicéia realizou-se em 325, e encontramos já nos escritos de Tertuliano e de Orígenes, no ano 200, a menção positiva da quaresma.

S. Jerônimo, no ano 400, escreveu: “Segundo a instituição apostólica, observamos um jejum de 40 dias.” (Ep. ad Marcel. ).

S. Leão é mais positivo ainda: “Foram os apóstolos, -diz ele- que, por inspiração do Espírito Santo, estabeleceram a quaresma.”

“Jejuamos em qualquer outro tempo, - diz também S. Agostinho- se quisermos, mas durante a quaresma, pecamos se não jejuamos”.

Eis, pois, bem demonstrado que a quaresma é uma instituição dos Apóstolos, instituída por eles, talvez por ordem ou conselho de Jesus Cristo, para lembrar e imitar o jejum de 40 dias do próprio Salvador.

V – O jejum na antiga e nova lei

O jejum da sexta-feira, como já disse, não existe senão na cabeça do protestante à cata de objeções; mas se existisse, teria inda a sua razão de ser, o seu fundamento. Este fundamento seria a Lei da Igreja.

A Sagrada Escritura prova a necessidade do jejum, sem determinar os dias deste jejum. Os apóstolos instituíram a quaresma. A Igreja de Jesus Cristo possui uma autoridade divina, igual à autoridade dos apóstolos, pois o papa é o legítimo sucessor dos apóstolos. É, pois, inegável que o Papa possa prescrever jejuns ou suprimí-los, em certos dias, para um fim útil ou conveniente. O jejum, como mortificação do corpo, é um preceito divino; o modo prático de exercê-lo deve ser regulamentado pela Igreja, por lei eclesiástica, que obriga a consciência.

A Igreja recebeu do seu divino Fundador o poder de legislar, ou formar leis; tal poder pertence necessariamente à autoridade de governar que S. Pedro recebeu do Salvador: Dixit ei (Pedro): Pasce oves meas (Jo 21,17).

Não se pode negar este poder à autoridade eclesiástica, tanto mais que a antiga lei dava tal poder a seus chefes, como lemos na Bíblia.

Jozafaz fez publicar um jejum em toda a Judéia, o que foi aprovado pelo Senhor, que lhe concedeu o favor implorado.

Esdras publicou também um jejum pela feliz jornada dos judeus que voltaram do cativeiro da Babilônia. Publiquei um jejum, diz ele; nós jejuamos, pois, e tudo nos sucedeu com felicidade (1Esd 8,21-23).

Jeremias publicou igualmente um jejum em Jerusalém, para toda a multidão que vinha de Judá, a fim de aplacar as vinganças do Senhor (Jer 36,9).

O profeta Zacarias faz menção de quatro jejuns, ordenados por Deus (Zac 3,19).

Eis como a Igreja do Antigo Testamento preceituava o jejum e determinava o tempo e o modo de praticá-lo, por ordem divina. É, pois, lógico que a Igreja do Novo Testamento goze do mesmo poder de que gozava a Igreja antiga, que era apenas o esboço, o símbolo e a Imagem da Igreja de Cristo.

VI – A abstinência de carne

Devemos, pois, concluir que a Igreja tem o direito de impor, em certos dias determinados, o dever de jejuar e de abster-se de certos alimentos por lei positiva do poder eclesiástico.

Se tem o poder de prescrever o jejum, deve ter também o de prescrever a abstinência de certos alimentos. Tal abstinência não é novidade; existiu na lei antiga, como existe hoje na Igreja Católica.

Os próprios apóstolos prescreviam tal abstinência. Abster-vos-ei das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue e dos animais sufocados, dizem os Atos (15,29).

Se os apóstolos prescrevem de abster-se de certas carnes, podem naturalmente prescrever tal abstinência em tempo e dias marcados, como fez a Igreja, prescrevendo em certos países a abstinência de carne, nas sextas-feiras, em lembrança da morte do divino Salvador. É claro, simples e incontestável.

VII – Conclusão


A conclusão é irrefutável. A Igreja Católica, fiel aos ensinamentos da Bíblia, apóia-se em todas as suas doutrinas sobre o texto sagrado, e faz dele o pedestal divino dos dogmas, da moral, e até das cerimônias do culto.

O protestantismo, ao contrário, limita-se em exaltar a Bíblia, e na prática afasta-se completamente dos ensinos da mesma Bíblia. Jejuar e abster-se de certos alimentos é uma prática que vem do berço da humanidade: pouco importa que o protestante proteste, porque a sua lei, a base do seu credo é protestar contra a verdade católica.

Se a Igreja proibisse o jejum e a abstinência, os amigos protestantes citariam centenas de textos para provar que o jejum e a abstinência são preceitos divinos. E estes textos podem ser encontrados, de fato.

A Igreja, firme em sua resolução divina, sustenta a verdade; e o protestante, embora não encontra nenhum texto, absolutamente nenhum, contra o jejum e a abstinência, protesta e quer ver textos que provem que se deve jejuar nas sextas-feiras.

Pe. Júlio Maria De Lombaerde, "Luz nas Trevas". Págs. 202-208

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Caridade do Pe. Júlio Maria


Por Pe. Aureliano de Moura Lima, sdn
Conselheiro Geral

A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é ‘meu’; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é ‘dele’, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso ‘dar’ ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridade, mas é ‘inseparável da caridade’, é-lhe intrínseca. (CinV, 6).

Ao iniciar com as palavras de Bento XVI em sua última encíclica Caritas in Veritate (CinV), quero dizer que o Pe. Júlio Maria foi um homem que exerceu a caridade na verdade. Deu de sia para aquelas realidades sofridas que ele buscou transformar a partir de dentro. Tudo o que ele tinha de mais precioso: sua vida, suas provisões, sua estima e honra, sua terra natal, sua família distante, ser caluniado, injustiçado, ameaçado, noites de sono, lazer, tudo o Pe. Júlio ofereceu para as obras que realizou pelo bem das pessoas e da Igreja.

O Bispo missionário na África pediu uma esmola para os pobres africanos. O jovem Júlio Emílio (mais tarde Pe. Júlio Maria) decidiu oferecer a sua vida pela missão. Não quis dar algo, mas deu-se a si mesmo. E fê-lo sem recuar jamais. Passou pela África, retornou à Europa, foi enviado para o Brasil e por aqui viveu 32 anos sem jamais voltar à sua terra natal. Dedicou-se totalmente à missão que lhe foi confiada. Mais. Não se satisfazia em cumprir o estabelecido. Talvez esse seja seu grande mérito. Foi além. Fundou três Congregações Religiosas para cuidar dos pobres que lhe eram muito caros.

Preocupava-se com os doentes: arranjou uma farmácia e ajudou a construir um hospital. E as crianças abandonadas? Um patronato para elas! O que fazer pela juventude sem perspectiva? Irmãs para a educação e fundação de colégios! O que fazer com os idosos abandonados? Asilos, abrigos! E a formação moral, intelectual, religiosa do povo, como fica? Livros, jornais, Congregações para dar-lhes apoio e suporte!

Vejam que o Pe. Júlio Maria não parava. Olhava o mundo com o olhar de Jesus. Não se limitava a uma caridadezinha de assistência aqui ou acolá, não. Os projetos pululavam em seu coração e sua mente. Arranjava jeito e gente para levar adiante seus projetos. Contagiava, aquecia o coração de seus seguidores. E os entusiasmava de tal maneira que levavam adiante suas iniciativas.

Hoje estamos tentando alavancar, de modo novo, a ‘caridade na verdade’ que sustentou as obras sociais do Pe. Júlio Maria. Muitas vezes somos premidos pelas exigências legais da filantropia e deixamos de realizar o bem caritativamente. Corremos o risco de realizar os projetos sociais em vista do cumprimento duma exigência jurídica. Será que não estamos querendo apenas ser justos, isto é, dar o que é do outro? E o Papa diz que o plus da caridade é que nela damos o que é nosso, daquilo que é meu. Aí está a verdade da caridade. “Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a atividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os atuais” (CinV, 5).

Vale a pena mencionar ainda Caritas in Veritate (6): “A ‘cidade do homem’ não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo”.

Nas pegadas do Pe. Júlio Maria queremos que a nossa ação social seja marcadamente eucarística: “Façamos ação social eucarística” dizia nosso fundador. Para isso é preciso superar a mentalidade do jogo de interesses que caracteriza nossa sociedade neoliberal e entrarmos na lógica da Eucaristia: amar até o fim.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"O Padre Júlio Maria era um homem de Deus"

- Monsenhor Aristides Maques da Rocha, para o senhor, quem era o Pe. Júlio Maria?

- “O Pe. Júlio Maria era um homem de Deus. Manhumirim não era nada. Manhumirim é o que é hoje, graças ao Pe. Júlio Maria. Em Manhumirim, ele fundou a Congregação dos Padres e das Freiras.

Andei muitas vezes com ele. Acompanhei-o em muitas missões e participei de muitos retiros espirituais pregados por ele para o clero de Caratinga. Era ele quem pregava o retiro para nós.

As virtudes brilhavam na barva dele.

Quando a torre da Catedral de Caratinga ficou pronta, quem a benzeu foi ele, em 1929. Eu o convidei e Dom Carloto aprovou. De Caratinga, fui com ele para o Rio de Janeiro.

O Pe. Júlio Maria era um santo, e muito santo. Muito admirável.

Um milagre aconteceu comigo e ele. Nós dois viajávamos de carro para Manhuaçu. O carro perdeu o freio e precipitou-se pela pirambeira abaixo. Eu queis saltar fora. Mas ele me segurou pelo braço e disse: “Não é preciso saltar não, Monsenhor”. O carro, desgovernado, parou lá embaixo, na beira do rio, e não aconteceu nada.”

Monsenhor Aristides Marques da Rocha,
insigne clérigo dos inícios da Diocese de Caratinga,
que conviveu com o Pe. Júlio Maria.

Entrevista feita pelo Pe. Demerval A. B., SDN, em 18 de março de 1979.

terça-feira, 15 de março de 2011

Mensagem de Bento XVI sobre a Campanha da Fraternidade 2011


Ao Venerado Irmão
Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana (MG) e Presidente da CNBB

É com viva satisfação que venho unir-me, uma vez mais, a toda Igreja no Brasil que se propõe percorrer o itinerário penitencial da quaresma, em preparação para a Páscoa do Senhor Jesus, no qual se insere a Campanha da Fraternidade cujo tema neste ano é: "Fraternidade e vida no Planeta", pedindo a mudança de mentalidade e atitudes para a salvaguarda da criação.

Pensando no lema da referida Campanha, "a criação geme em dores de parto", que faz eco às palavras de São Paulo na sua Carta aos Romanos (8,22), podemos incluir entre os motivos de tais gemidos o dano provocado na criação pelo egoísmo humano. Contudo, é igualmente verdadeiro que a "criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus" (Rm 8,19). Assim como o pecado destrói a criação, esta é também restaurada quando se fazem presentes "os filhos de Deus", cuidando do mundo para que Deus seja tudo em todos (cf. 1 Co 15, 28).

O primeiro passo para uma reta relação com o mundo que nos circunda é justamente o reconhecimento, da parte do homem, da sua condição de criatura: o homem não é Deus, mas a Sua imagem; por isso, ele deve procurar tornar-se mais sensível à presença de Deus naquilo que está ao seu redor: em todas as criaturas e, especialmente, na pessoa humana há uma certa epifania de Deus. «Quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é levado a ter maior amor pelas criaturas» (Bento XVI, Homilia na Solenidade da Santíssima Mãe de Deus, 1º-01-2010).

O homem só será capaz de respeitar as criaturas na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação. Por isso, a primeira ecologia a ser defendida é a "ecologia humana" (cf. Bento XVI, Encíclica Caritas in veritate, 51). Ou seja, sem uma clara defesa da vida humana, desde sua concepção até a morte natural; sem uma defesa da família baseada no matrimônio entre um homem e uma mulher; sem uma verdadeira defesa daqueles que são excluídos e marginalizados pela sociedade, sem esquecer, neste contexto, daqueles que perderam tudo, vítimas de desastres naturais, nunca se poderá falar de uma autêntica defesa do meio-ambiente.

Recordando que o dever de cuidar do meio-ambiente é um imperativo que nasce da consciência de que Deus confia a Sua criação ao homem não para que este exerça sobre ela um domínio arbitrário, mas que a conserve e cuide como um filho cuida da herança de seu pai, e uma grande herança Deus confiou aos brasileiros, de bom grado envio-lhes uma propiciadora Bênção Apostólica.

Vaticano, 16 de fevereiro de 2011