segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Sua memória é, para mim, ainda agora, a de um vivo"

Apresentamos o prólogo do livro "Pe. Júlio Maria, testemunho de uma nova Igreja", de autoria de Dom Antônio Affonso de Miranda, sdn. Dom Miranda foi o primeiro Superior-Geral eleito da Congregação, e o seu primeiro padre eleito ao Episcopado. Conviveu longos anos com o Fundador, sendo testemunha pessoal de várias histórias. Vale a pena conferir.

***

Prólogo

Dom Antonio Affonso de Miranda,  SDN.
Bispo Emérito de Taubaté-SP
Há cem anos, ele nasceu. Terá ele morrido, de fato?

Até hoje, trinta e três anos após o seu sepultamento, não me conformo em pensar que ele tenha morrido. Sua memória é, para mim, ainda agora, a de um vivo.

Talvez porque ele marcou muito profundamente a minha adolescência e minha mocidade, seus traços ficaram indeléveis em meu espírito. Não é um morto. É um vivo que apenas se ausentou.

Tal é para mim o Pe. Júlio Maria De Lombaerde, grande missionário, grande Padre, que viveu em Manhumirim seus últimos anos, na década de quarenta.

Quero fazer um retrospecto de memória, para os que dele ouviram falar e também os que não o conheceram. Gostaria de evocar, bem vivo, em quadros da história, a sua personalidade, como eu a conheci e admirei. Gostaria que os amigos de seus filhos e filhas espirituais, e principalmente estes e estas, pudessem dizer comigo: “Ele está vivo. Ele não morreu. Nos seus cem anos, ele reaparece redivivo e imortal, nesta Igreja para a qual ele trabalhou e sofreu”.

Há muitos anos, após a morte deste grande sacerdote, escrevi-lhe a biografia. Um pálido ensaio daquilo que devia ser, de fato, a sua História.

Mas um livro tão volumoso, como aquele, publicado em 1947, ninguém gosta de ler. Veio-me então a idéia de fazer reviver o meu biografado em quadros rápidos, que o apresentam como ele foi e como o conheci e como se me afigura que continua a ser agora.

Não é, espero, a repetição do que escrevi no passado. Não.

Como se vivo hoje ele estivesse, atuando nesta Igreja que ele tanto amou, eu gostaria de apresentá-lo a meus irmãos e irmãs, para dizer-lhes: “Ei-lo. Ele está presente. Ele caminha diante de nós”.

Na própria dimensão histórica, o homem pode ser considerado sob duplo aspecto: pelo que realizou em seu tempo e pelo que dele se projeta em épocas posteriores.

Quando o Pe. Júlio Maria morreu, falou-se no que ele fez e deixou como marca de seu tempo. Agora, muitos anos passados, percebe-se que a sua obra tinha um sentido mais extenso e duradouro. Ele era portador de um carisma, de um dote, que não era dele, e sum da Igreja a que servia. Este Dom que o Senhor lhe deu não se estreitou no pouco mais de meio século em que ele viveu. Projetou-se para muito além. Ele apenas começou a construir uma Igreja, que naquele tempo não se podia entrever, e que se manifesta hoje, a cada dia, na continuação de sua obra.

É este Pe. Júlio Maria que aparece redivivo na Igreja atual, agora, quando se comemora o seu centenário.

Ele está vivo. É preciso reencontrá-lo. Para caminhar com ele, na esperança, na coragem, na fé, no entusiasmo de fazer a Igreja viver numa fase das mais gloriosas de sua história.

Campanha, festa de S. José, 19 de março de 1978.

+ Antônio Affonso de Miranda, SDN


Fonte: Miranda,sdn, Dom Antônio Affonso de. Pe. Júlio Maria, Testemunho de Uma Nova Igreja. Belo Horizonte: O Lutador, 2ª Edição. Pág. 3-4.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

[Comentários Apologéticos]A liberdade da alma

1º Domingo depois da Epifania (Segundo a forma extraordinária do Rito Romano)

Evangelho: Lc 2,42-52

42. Tendo ele atingido doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa.

43. Acabados os dias da festa, quando voltavam, ficou o menino Jesus em Jerusalém, sem que os seus pais o percebessem.

44. Pensando que ele estivesse com os seus companheiros de comitiva, andaram caminho de um dia e o buscaram entre os parentes e conhecidos.

45. Mas não o encontrando, voltaram a Jerusalém, à procura dele.

46. Três dias depois o acharam no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os.

47. Todos os que o ouviam estavam maravilhados da sabedoria de suas respostas.

48. Quando eles o viram, ficaram admirados. E sua mãe disse-lhe: Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição.

49. Respondeu-lhes ele: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?

50. Eles, porém, não compreenderam o que ele lhes dissera.

51. Em seguida, desceu com eles a Nazaré e lhes era submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração.

52. E Jesus crescia em estatura, em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens.

Comentário Apologético

O Evangelho do domingo passado nos deu ocasião de falar da imortalidade da alma; o de hoje vai mostrar-nos a liberdade desta alma.

A narração evangélica nos mostra a vida suave e escondida de Nazaré, deixando apenas entrever a vida submissa de Jesus.

Um raio de luz vem, entretanto, iluminar esta vida calma e mostrar-nos a liberdade com que Jesus agia: É a sua ida a Jerusalém com Maria e José, o seu desaparecimento, o seu encontro no meio dos doutores, a sua veneração para com seus pais e, enfim, o seu crescimento em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens.

Vimos Jesus agir, inspirado pela vontade de seu Pai, sem paixão que o perturbe, sem medo que o faça parar, seguindo em tudo a voz de seu Pai a qual lhe ditava a sua consciência.

Nós também somos livres, temos diante de nós o bem e o mal: o primeiro para fazê-lo, o segundo para fugir dele.

Tal liberdade é muitas vezes mal compreendida, por isso vamos meditar hoje:

As provas da liberdade da alma.

Em que consiste tal liberdade.

São noções simples, mas que nos darão uma idéia clara das exigências da liberdade e da necessidade de aproveitá-la para a virtude.

I – Provas da Liberdade

Entende-se por liberdade ou livre-arbítrio a faculdade que o homem tem de fazer ou não fazer um ato, ou de escolher uma coisa em preferência a outra.

Toda vontade que pode determinar-se em sua escolha, produzir um ato ou abster-se dele, é livre.

Existe a liberdade física ou exterior, e a liberdade moral ou liceidade.

O homem é livre, antes de agir, pela escolha do ato que pretende fazer.

É livre enquanto age, podendo continuar, interromper ou deixar o ato começado.

É livre também depois de agir, conservando a consciência de ter agido livremente; felicitando-se ou censurando-se do ato feito.

Os adversários desta grande verdade chamam-se fatalistas ou deterministas.

Os fatalistas atribuem tudo ao destino ou acaso.

Os deterministas pretendem que o homem se determine pelas leis da natureza em geral e as da sua natureza em particular.

***

Tais aberrações dissipam-se diante da dupla prova da liberdade humana, que é o nosso sentimento íntimo, e a conduta do gênero humano.

Nós Sentimos perfeitamente que somos livres.

Sentimos em nós um desejo irresistível da felicidade: este desejo é da natureza, e não é livre, mas sentindo um desejo de dar um passeio, de ler, de escrever, sentimos que podemos fazer isto ou não fazê-lo, conforme a nossa vontade.

O gênero humano, por sua vez, prova tal liberdade, pois todas as nações, mesmo as selvagens, são regidas por certas leis, e uma sanção é imposta aos transgressores de tais leis.

Ora, se o homem não é livre de fazer e não fazer, para que impor-lhe leis? Para que recompensar a fidelidade a lei e castigar a transgressão?

Não se dão leis, nem se recompensa, nem se ameaça de castigar uma máquina, pois esta faz necessariamente o serviço para o qual foi construída.

Os maiores criminosos sabem muito bem que são responsáveis porque eram livres... e a qualquer um deles, se ele alegar a cólera, o ódio ou outro vício, podemos responder: Era preciso resistir, pois eras livre!

II – Em que consiste a liberdade

O homem, no estado atual, pode fazer o bem ou o mal. Digo que pode, isto é: tem a liberdade, porém, não tem o direito de fazer o mal, e tem o dever de fazer o bem.

Isto é tão claro que, quando faz o mal, ele sente em si o remorso, e quando faz o bem, experimenta uma satisfação íntima.

A essência da liberdade consiste inteiramente na potencia ativa de escolher entre duas coisas boas, e não em escolher entre o bem e o mal.

O homem tem o poder de fazer o mal, mas não tem o direito de fazê-lo.

Jesus Cristo possui a plenitude da liberdade, mas não pode fazer o mal.

Maria Ssma. Gozava desta mesma plenitude, embora fosse confirmada em graça e não pudesse fazer o mal.

Deus é soberanamente livre em tudo o que faz, entretanto a sua perfeição infinita esbarra diante da impotência absoluta de escolher o mal.

Temos pois a distinguir a verdadeira liberdade que se exerce na esfera da honestidade e do bem, supondo sempre a ordem e a lei, em outros termos: é o direito de cumprir o seu dever.

A falsa liberdade é aquela que se exerce sob o império das paixões, na independência e na desordem. – Pode-se defini-la: o pretenso poder de fazer o mal.

É o estado atual em que nós nos encontramos neste mundo: temos a triste liberdade de fazer o mal, mas não temos o direito de usar desta liberdade.

III – Conclusão

Temos, pois, diante de nós, o bem e o mal; isto quer dizer que há ações boas e ações más.

Distinguimos estas ações por meio de uma voz interior que está em nós, e que chamamos de consciência. Tal voz está encarregada por Deus, de dizer-nos: isto é bem, isto é mal.

Às vezes as paixões e preconceitos falsificam a consciência ao ponto que em um caso particular, ela tome o mal pelo bem, entretanto nunca podem fazer desaparecer a distinção que separa as ações boas das más.

Podemos distinguir tais ações pela conformidade ou oposição de um ato com as leis de Deus: umas gravadas no fundo do nosso coração, que chamamos lei natural; e cuja voz é a consciência; outras promulgadas exteriormente por Deus, e chamadas: lei escrita. É o Decálogo ou dez mandamento da lei de Deus.

Exemplos

I – Uma palavra de Napoleão

Os fatalistas negam a liberdade ou livre-arbítrio do homem, sob pretexto de que o porvir está regulado com precisão, nas previsões divinas e que o que “está escrito escrito está”.

Um dia falaram diante de Napoleão desta fatalismo dos muçulmanos.

O imperador respondeu: Os próprios turcos nem acreditam nisso, senão como teriam médicos entre eles, ou pelo menos curandeiros?

Quanto aos que habitam no terceiro andar de uma casa, tendo de sair, não se dariam ao trabalho de descer pela escada: lançar-se-iam logo pela janela abaixo: é mais curo, e se o que deve acontecer, acontece fatalmente, a janela não é mais perigosa do que a escada.

II – Um dissabor de Lombroso

O fatalista Lombroso, tornou-se conhecido pela sua teoria do criminoso nato.

Conforme esta opinião, um criminoso está ferreteado para o crime desde o seu nascimento por particularidades físicas de sua natureza.

E Lombroso acreditava nisso, como até nossos dias, há gente que nisso acredita.

O pobre Lombroso passou um dia por um dissabor apertado.

A opinião pública ficou indignada pelo crime de um assassino famoso.

Fotografias de mãos humanas foram publicadas pelos jornais, como sendo do criminoso.

Lombroso quis estudar o caso, e demonstrou doutoralmente, pelo afastamento dos dedos, pela forma das unhas e falanges, por certas diferenças entre as duas mãos, que o assassino estava predestinado ao crime, e não tinha liberdade de afastar este destino: havia de ser assassino.

Pouco depois foi demonstrado que tais fotografias eram das mãos de um bom e honesto operário, estimado por todos...

Foi um aplauso de gargalhadas em honra de Lombroso.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Segredo da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria [IV]

V. Comparação entre os métodos

As idéias de Santa Teresinha e de Santa Margarida Maria concretizam-se admiravelmente na Santa Escravidão, ensinada por Montfort.

Já dissemos, precedentemente, que estes santos têm a mesma concepção da vida de intimidade com Jesus e Maria.

A união amorosa e a dependência ou infância espiritual reunem-se e formam o abandono total ou Santa Escravidão. Este novo modo de dizer significa algo de mais humilde ainda que a expressão de Santa Teresinha e Santa Margarida Maria.

Há, de fato, duas criaturas neste mundo que vivem sob o poder de outrem: a criança e o escravo.

A criança nada pode. Tudo recebe dos pais. É a impotência radical.

O escravo não se pertence. É um bem do senhor que o possui.

Santa Teresinha queria ser pequenina, como uma criancinha, para atrair o olhar de Jesus. Santa Margarida queria ser pequenina, para poder perder-se no Coração amoroso de Jesus. Montfort queria ser pequeno, como um escravo, para ser propriedade de Jesus.

Todos três querem pertencer a Jesus, unir-se a Ele, viver d’Ele e n’Ele; e, para se elevarem, ou, melhor, serem elevados a estas alturas, procuram abaixar-se, humilhar-se, ser um nada, um pequeno escravo de amor!

Na base, estão de acordo os três. Somente escolheu cada um, para exprimir a mesma verdade, o termo próprio, que combina melhor com seu espírito e com a graça particular recebida de Deus.

Santa Teresinha é a meiguice da criança, Santa Margarida Maria é a chama da estática. São Luís Maria de Montfort é o zelo do conquistador.

O primeiro caminho é a infância espiritual de Santa Teresinha.
O segundo, é a imolação amorosa de Santa Margarida.
O terceiro, é o zelo apostólico de Montfort.

São três chamas, proveniente de um único amor – o amor de Jesus considerado como Pai, como Rei, como Senhor.

Aqui a espiritualidade de Montfort toma a sua feição particular, o seu cunho próprio, a sua base mariana. Santa Teresinha é apóstola da bondade de Jesus; Santa Margarida é apóstola do Sagrado Coração de Jesus; Montfort é apóstolo de Maria Santíssima.

Do lado doutrinal, os três ensinam a mesma doutrina da humildade.

Do lado devocional, eles se dividem: Santa Teresinha preconiza o seu caminho da santa infância e a devoção ao Menino Jesus, ao passo que Santa Margarida penetra no Coração de Jesus, e dedica-se a esta devoção consoladora; Montfort nos revela o seu segredo da Verdadeira Devoção, e concentra-se sobre a devoção a Maria Santíssima como Rainha dos corações.

Para Montfort a virtude básica é também a humildade, expressa pelo termo escravo. A devoção é à Virgem Santa, como Soberana dos corações. E o fim de tudo é Jesus Cristo; donde as expressões empregadas indiferentemente pelo Santo: escravidão de Jesus em Maria e escravidão de Maria em Jesus.

VI. O Segredo de Maria

Montfort apresenta a Santa Escravidão como um segredo. Esta palavra excita curiosidade. E não há leitor do livro da Verdadeira Devoção que não o procure logo descobrir.

O segredo, porém, não consiste na teoria, e sim na prática desta devoção.

A prática consiste em entregar-se inteiramente, na qualidade de escravo a Maria e, por Ela, a Jesus, e em procurar fazer todas a ações com Maria, em Maria, por Maria e, para Maria, no intuito de faze-las mais perfeitamente com Jesus, em Jesus, por Jesus e para Jesus.

Compôs o santo uma fórmula de Consagração. É a parte exterior.

A parte interior não é mais que a aplicação constante a viver como um escravo, dependente em tudo da vontade de Maria Santíssima.

O segredo está, pois, nesta nossa dependência amorosa, filial e humilde da Virgem Santíssima.

É uma espécie de presença de Maria, semelhante à presença de Deus.

Tal presença não é esforço de imaginação ou de vontade, mas, sim, uma certa atenção de espírito em procurar ocasiões de fazer algum sacrifício por amor da Santíssima Virgem.

É, por outra, vivermos espreitando as ocasiões favoráveis de praticar a virtude.

Tal disposição nos conserva num estado de dependência total, num abandono completo à vontade de Maria. E, destarte, tudo aceitamos d’Ela, para Ela nos volvemos constantemente para vermos sua mão em tudo, e procurando em tudo, conformar-nos a seu alvitre.

É aqui que está o segredo.

Consagrar-se à Virgem Santa como escravo é um ato passageiro que qualquer um pode fazer. E, de fato, muitos o fazem, sem depois aplicar-se a viver esta Consagração.

Viver esta Consagração – este é o segredo. E a medida que tal vida se desenvolver em nós, o segredo descobrir-se-á mais e mais, até que o possuamos completamente.

Deste modo, a Santa Escravidão de Montfort não é simplesmente uma devoção; é mais que isso: um método eficaz de santificação.

A devoção é por muitos conhecida e praticada. O método de santificação porém o é muito pouco. Entretanto, os dois devem dar-se as mãos, devem ser ambos praticados para produzir o que devem – a santidade, como teremos ocasião de averiguar mais adiante.

VII. A Devoção mais Perfeita

Qual é a devoção mais perfeita, ou o método mais prático dos três acima citados?

A resposta é difícil, porque a superioridade de um método, duma devoção, não é somente objetiva, mas, também subjetiva, isto é, não depende só do valor intrínseco da devoção, mas também da disposição pessoal de quem pretende adotá-la.

Pode-se pôr um princípio, nesta maioria; é o seguinte: que uma devoção é também mais perfeita, quanto mais intimamente nos une a Jesus Cristo.

Ter uma confiança ilimitada em Nossa Senhora, dar-se a ela, numa expansão de amor ardente, como Santa Teresinha, é sublime, é divinamente belo...

Penetrar no Coração de Jesus, e ali consumir-se nas chamas de seu imenso amor, como Santa Margarida Maria, é docemente extático...

Mas, entregar-se nas mãos de Jesus e Maria, como escravo, não simplesmente para amar e ser amado, mas para trabalhar, lutar e sofrer para Aquele e Aquela que amamos, como ensina Montfort, – eis o que é simplesmente heróico! É imitar o divino Salvador, que por amor de nós se entregou a si mesmo como oblação.

Para bem acentuar esta dependência total, que constitui o espírito de sua devoção, São Luís Grignion de Montfort faz distinção entre escravo e servo.

Um servo ou criado dá apenas uma parte de seu tempo e de seu trabalho, recebendo em retribuição um salário combinado, que lhe é devido em justiça. O escravo, porém, vive e trabalha para o senhor sem ter direito a remuneração alguma. Sua dependência é absoluta, para sempre, sem direitos nem concessões, a não ser no que espontaneamente lhe é permitido pelo amo.

É a imitação de Jesus Cristo, de quem São Paulo disse: “Aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de um escravo”.


Sob este ponto de vista, podemos pois dizer, que a santa esravidão encerra tudo o que as outras devoções têm de mais elevado. E, como é impossível alguém rebaixar-se mais do que se tornando escravo, é também impossível que se eleve mais alto na generosidade para com Deus, consoante a palavra do divino Mestre: “Aquele que se humilhar será exaltado” – Lc 4, 11.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

[Comentários Apologéticos]A imortalidade da alma

Domingo da Epifania (Segundo a forma extraordinária do Rito Romano)

Evangelho: Mt 2,1-12

1. Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém.

2. Perguntaram eles: Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.

3. A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele.

4. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo.

5. Disseram-lhe: Em Belém, na Judéia, porque assim foi escrito pelo profeta:

6. E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo(Miq 5,2).

7. Herodes, então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido.

8. E, enviando-os a Belém, disse: Ide e informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também vá adorá-lo.

9. Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que e estrela, que tinham visto no oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o menino e ali parou.

10. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria.

11. Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra.

12. Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho.

Comentário Apologético

Jesus havia nascido em Belém, numa gruta abandonada, deitado numa manjedoura de animais.

Ele esconde a sua majestade e abaixa sua grandeza, enquanto os anjos o aclamam e uma estrela resplandecente convida os reis magos a irem adorar o Rei recém-nascido.

Os reis do oriente, tendo encontrado este Rei misterioso, cujo trono é uma manjedoura e cuja púrpura são uns paninhos de pobres, prostram-se, adoram-no e lhe oferecem os seus presentes: ouro, incenso e mirra.

O ouro exalta a realeza do menino. O incenso proclama a sua imortalidade. A mirra significa a sua humanidade.

Deus é o grande, o supremo Imortal.

Os homens participam desta prerrogativa, pela sua alma, criada à imagem e semelhança de Deus. Consideremos esta prerrogativa de nossa alma, examinando:

A natureza da imortalidade.

As provas desta imortalidade.

Estas considerações nos farão compreender melhor a grandeza do homem e a sublimidade de seu destino.

I – A natureza da imortalidade

Chama-se imortalidade da alma a prerrogativa de que é dotada de não morrer.

Tudo o que é material está sujeito à lei da corrupção ou decomposição.

A nossa alma, sendo simples, espiritual, sem nenhuma composição, não pode estar sujeita a esta lei; a sua espiritualidade conduz logicamente à idéia da sua permanência depois da morte natural.

O que chamamos morte, não é o aniquilamento, é uma decomposição ou dissolução, palavras que indicam uma separação de partes.

A alma, não tendo partes, não está pois sujeita à morte. Cícero, apesar de pagão, tem a este respeito uma frase sublime, nos Tusculanos l. 1. 29.

“A alma, diz ele, é necessariamente uma substância muito simples, sem mistura, sem composição, sem elementos diversos. Segue-se daí que não se pode nem dissolve-la, nem dividi-la, nem rompe-la, nem quebra-la. É pois imortal, porque a morte não é mais que a separação das partes que antes estavam ligadas”.

Na própria natureza da alma, encontramos já uma prova da sua imortalidade.

Todos nós experimentamos o desejo de uma felicidade que não podemos alcançar aqui na terra.

Ora, Deus não pode infundir na alma desejos irrealizáveis, senão seria uma oposição em sua própria obra.

É preciso pois que na outra vida, na sobrevivência possamos alcançar esta felicidade que não encontramos neste mundo.

O homem está em marcha para o infinito que persegue sempre, mas que sempre lhe escapa.

Ele concebe, sente este infinito, trá-lo dentro de si: daí provém este instinto de imortalidade, esta esperança universal de uma outra vida, que exprimem todos os cultos, todas as poesias, todas as tradições.

Se assim não fosse, a maior das criaturas estaria maltratada: seria até um monstro eterno, pois nunca chegaria à perfeição de seu estado e de suas aspirações.

II – Provas da sua imortalidade

A alma, não podendo ser decomposta, podia ser aniquilada. Isto, porém, não é concebível. Aniquilar e criar são dois atos iguais.

Para aniquilar a alma, Deus deveria exercer um ato positivo de sua divindade.

Ora, na natureza não encontramos um único exemplo de aniquilamento. Nada é aniquilado, mas simplesmente transformado.

O corpo do homem, o dos animais, mesmo as plantas são simplesmente dissolvidos, transformados, mas não aniquilados.

Aliás a semelhante aniquilação se opõem a sabedoria, a justiça e a veracidade divinas.

Deus, em sua sabedoria infinita fez a nossa alma imortal em sua natureza, pois tudo o que é espiritual é eterno. Ele fez esta alma a sua imagem e semelhança, sendo ele o Imortal.

A alma, sendo superior ao corpo, deve ter um destino que seja superior a este.

Ora, o nosso corpo não será aniquilado: nem um de seus componentes voltará para o nada, mas será apenas separado dos outros elementos.

Ora, se a alma morresse, a sua sorte seria menos nobre que o de seu inferior, o que repugna a sabedoria de Deus.

***

Deus é infinitamente justo, e esta justiça exige que o mal seja punido e o bem recompensado.

Ora, a alma não encontra neste mundo a sanção do bem que faz, nem o mal que comete. É preciso pois que haja uma outra vida, onde triunfe a justiça divina... e esta outra vida exige a imortalidade da alma.

***

Deus é verdadeiro, e este Deus não somente nos faz aspirar à imortalidade, mas nos obriga a crer nela. A ressurreição da carne, a vida eterna, são dogmas sagrados da nossa fé.

Logo, tal imortalidade existe, claramente ensinada pelo próprio Deus.

III – Conclusão

As consequências práticas da crença na imortalidade da alma são o que mais fortifica e estimula a vida. Esta crença nos consola no meio dos sofrimentos da vida. Ela é um estímulo constante na aquisição de méritos e de virtudes.

Ela conserva o homem numa nobre dignidade, inspirando-lhe o respeito a si mesmo.

Com este dogma da imortalidade, a infelicidade é consolada, a virtude excitada, o vício reprimido, a providência justificada, o homem e o mundo moral estão explicados.

Basta deste dogma para formar grandes homens, elevar as grandes virtudes, aceitar grandes sacrifícios para Deus, para a religião e para a sociedade... enquanto que suprimir este dogma, seria suprimir toda a religião, toda virtude, todo dever!

Deus não morre, exclamava Garcia Moreno.

A alma também não morre, devemos ajuntar.

Ambos são imortais, porque a segunda é feita à imagem do primeiro.

EXEMPLO

1 – A lição do tic-tac

Um professor católico de Belfort quis dar a seus alunos a idéia da imortalidade da alma. Procurou um meio de tornar sensível à inteligência infantil esta verdade: que a morte do corpo não tira a vida da alma.

Tirou o seu relógio da algibeira e chamando os meninos, lhes disse: Escutem como o relógio faz tic-tac, e como ele está numa caixa de ouro.

Todos escutaram e admiraram o relógio. Então o professor tirou o mecanismo da caixa e conservando cada uma das peças em mão diferente, perguntou: Qual dos dois é o relógio.

- É a parte que faz tic-tac, responderam estes.

- Pois bem, estão vendo que a caixa, separada do mecanismo, tornou-se muda, enquanto o relógio continua a andar, embora separado de seu invólucro, a caixa. Assim acontece conosco.

A morte separa a alma do corpo, então o corpo torna-se mudo, a alma, porém, privada de seu invólucro, o corpo, continua a existir e a agir.

A comparação, sem dúvida, é muito imperfeita, mas os meninos compreenderam assim perfeitamente a verdade de tal modo provada.

2 – O martírio do Anamita

Nas últimas perseguições que assolaram a cristandade de Tokyo, um jovem cristão de 17 anos, chamado Moï, excitou a admiração dos próprios pagãos pelo heroísmo da sua constância.

-Pisa este crucifixo e renega a tua religião, bradou-lhe o juiz, e te darei $ 100,00!

-Excelência, não basta.

-Pois bem, eu te darei $ 500,00.

-Não basta ainda!

-O que?... pois bem, darei $ 1.000,00.

-É barato demais, Excelência!

O juiz, estupefato pela calma do cristão, perguntou-lhe nervoso: mas, então, quanto queres?

-Excelência, se queres que eu perca a minha alma, pisando o crucifixo e renegando a minha religião, dai-me bastante dinheiro para comprar uma outra alma imortal.

E o valente anamita marchou para o suplício com o sorriso sobre os lábios, deixando juiz e algozes boquiabertos de tanta coragem.

É que o anamita compreendia o que é uma alma imortal.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A autoridade suprema de Pedro

Pe. Júlio Maria De Lombaerde

Pedro é sempre nomeado e é em toda parte o primeiro. Tudo no Evangelho indica a sua primazia, até nas suas próprias fraquezas; é esta a primazia que Deus tem em vista e quer destacar claramente, pois infalibilidade e primazia estão necessariamente unidas inseparavelmente na pessoa do chefe da Igreja, ao ponto que se a infalibilidade doutrinal é a consequencia necessária de sua primazia, esta própria primazia pode ser indicada como o princípio da infalibilidade.

O poder dado a diversas pessoas, inclui necessariamente uma restrição na própria partilha.

O poder dado a um só e acima de todos, sem excessão, comporta a plenitude.

Todos os Apóstolos receberam o mesmo poder, pessoalmente, mas não o receberam no mesmo grau, nem com a mesma extensão. Cabe a Pedro a primazia e o ofício de confirmar os seus irmãos.

Jesus Cristo começa pelo primeiro, e neste primeiro desenvolve tudo, para ensinar-nos que a autoridade em sua Igreja, primeiramente estabelecida na pessoa de um só, não se ramifica senão sob a condição de ficar ligada a este único tronco, e de manter com ele uma completa unidade.

E esta primazia não é simplesmente de precedência e de honra, mas sim de autoridade e jurisdição.

É a Pedro, e só a Pedro que Jesus Cristo promete as chaves do reino do Céu com o poder de atar e desatar, isto é, de governar a Igreja universal.

Deste modo, o Papa não está como os protestantes imaginam, perdido num longínquo inacessível, sentado num trono, onde recebe honras e manifestações de veneração: ele é o pastor, ele é o Pai de cada alma, de cada sacerdote, de cada Bispo.

Entre o Papa e cada cristão, ninguém pode interpor-se como obstáculo.

É certo que devido à extensão imensa da Igreja, o Papa não pode em geral, comunicar-se pessoalmente com cada um, porém ele tem o direito e o poder de fazê-lo.

Sem dúvida ainda, sua palavra passa geralmente pelo canal do Bispo, como a deste último passa pelo canal do sacerdote, para chegar aos fiéis; este canal porém é um meio, e nunca pode tornar-se um obstáculo. O Papa é o pai de todos, é o pastor supremo do rebanho inteiro.



Por ocasião da Festa da Cátedra de São Pedro, 22 de fevereiro.

Pro Catholica Societate

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Brado Heróico

Maria abrindo os braços para o filho,
Sublime em sua mística presença
Canta-lhe então um célico estribilho
E a sua voz todo o universo incensa!

Tem nos olhos aquele doce brilho
De sol formoso em alvorada imensa,
Mostrando a um Deus o poderoso trilho
De sua glória na mudez suspensa.

Se não fosse Maria ali do lado,
Essa prisão Jesus desprezaria,
De esperar almas, já talvez cansado...

Porém a mãe lhe oferta as róseas palmas
De seu amor, bradando: “Filho, envia
Teu coração e parte para as almas!”


Dos "Sonetos Eucarísticos" do Frei Solitário, SDN.


domingo, 20 de fevereiro de 2011

Chegada do Pe. Júlio à Manhumirim, narrada pelo seu antecessor.

Apresentamos os registros históricos da chegada do Pe. Júlio Maria à Manhumirim, para assumir a paróquia e fundar a Congregação, escritos pelo seu antecessor. Trata-se de um pequeno trecho do livro do tombo da Freguesia de Manhumirim, anotados pelo Pe. Frederico de La Barrera, 5º cura de Manhumirim.

Sou sucedido na freguesia pelo virtuoso e inteligente Pe. Frey Júlio Maria, apóstolo dos índios no norte do Brasil e pertencente à congregação religiosa da Sagrada Família, e fundador aqui em Manhumirim da congregação, exclusivamente brasileira, dedicada a paroquiar, dos Padres de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, passando em minha companhia os quinze dias anteriores a tomada de posse realizada hoje, oito de abril de mil novecentos e vinte e oito.

Durante estes dias, pude verificar que o meu digno sucessor, com melhores predicados de piedade e ciências eclesiásticas do que as minhas qualidades, promoverá o progresso espiritual da minha estimada freguesia, esperando de tão digno sucessor peça a Deus por mim e perdoe as minhas faltas.

Ao Sr. Bispo diocesano, D. Carloto Fernandes da Silva Távora, fico gratíssimo pelo favor de pedir-me, com sacrifício, deixar a paróquia, para estabelecer aqui esta Congregação.

Não com sacrifício, senão com entusiasmo, deixei a freguesia para o bem espiritual de Manhumirim e da diocese de Caratinga.

Manhumirim, oito de abril de 1928.

Pe. Dr. Frederico de La Barrera, vigário

 

“O Pe. La Barrera era muito distinto no trato com as pessoas. Era um cavalheiro. É o testemunho dos que o conheceram e com ele trataram.” “Pelas pesquisas que fizemos, historiamos que essa igreja-monumento [a Matriz de Manhumirim] foi iniciada, praticamente, em dezembro de 24; que o Pe. La Barrera foi o promotor da construção e, no seu paroquiato, é que se demoliu a antiga.” (Pe. Demerval A. Botelho, sdn)

 

Pe. Frederico de La Barrera, antecessor do PJM em Mrim Pe. Frederico de La Barrera, antecessor do Padre Júlio Maria na cura das almas de Manhumirim

 

Fonte: BOTELHO, sdn; Pe. Demerval Alves. História de Manhumirim, Município e Paróquia. II Volume (1924-1947). Belo Horizonte, O Lutador, 1989. Págs. 163-166.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Dom Eucarístico

Meditação do Evangelho segundo João 15,26-27;16,1-4
ConsagraçãoNa Santa Missa, pela ação do Espírito Santo, Jesus Cristo se faz presente no Pão e no Vinho
 
O Evangelho que lemos se refere ainda à vinda do Espírito Santo, mas examinando-o de perto e nas minúcias das expressões, descobre-se nele a promessa de um dom especial.

Jesus enviará o Consolador. Enviá-lo-á da parte do Pai. Este dará testemunho de Jesus. Jesus prepara admiravelmente o espírito de seus apóstolos para as grandes coisas que lhes reserva. Jesus quer ficar com os homens: sente-se que tal permanência é como o termo de sua vida terrestre, prestes a terminar-se.

Ele ficará junto com o Consolador que enviará em nome do Pai, e todos três, a Santíssima Trindade Inteira, será hóspede da humanidade, na Sagrada Eucaristia.

A vinda do Espírito Santo, no Pentecostes, é um ato passageiros, uma graça especial para os Apóstolos, mas Ele quer ficar conosco até o fim dos séculos. É o seu dom eucarístico.

A Eucaristia será deste modo a sua morada permanente. É aí que o Consolador Divino enxugará as lágrimas, que o Pai sustentará as nossas forças, e que Jesus nos aplicará os méritos de seu sacrifício.

Por que Jesus nos fez este dom?

Jesus promete enviar o Espírito Santo da parte do Pai para dar testemunho dele. Mas Jesus não se refere unicamente à descida do Espírito Santo, que devia ser o grande privilégio dos Apóstolos, mas sim a sua assistência à humanidade inteira, através dos séculos.

É a Divina Eucaristia. É Jesus inseparavelmente unido ao Pai e ao Espírito Santo, pela única e mesma natureza divina, que deve continuar esta obra de consolação para cada homem em particular. É este o grande dom de Deus... A grande lembrança que Ele nos deixa, como localizada na hóstia santa dos nossos altares. “Com efeito, é pela graça qie vós sois salvos por meio da fé; e isso não depende de vós, é dom de Deus” (cf. Ef 2, 8).

E este Dom Jesus que deixá-lo como lembrança de seu amor passado, e expressão de seu amor presente. Sem este presente, o homem, arrastado pela corrente do esquecimento, teria depressa esquecido as maravilhas da encarnação, o amor extremo da Redenção, a imolação do Calvário, a aniquilação da última Ceia e a iluminação de Pentecostes.

Tudo isso é sublime... mas tudo isso, sem um sinal sensível, sem um dom, ou presente sensível, seria depressa tragado pelo oceano do esquecimento. O homem esquece-se de tudo: os grandes acontecimentos da história, as afeições santas e mais profundas, tudo passa e tudo morre envolto no véu do esquecimento.

Eis porque Jesus não se contenta com promessas e graças espirituais, com suaves enlevos e nobres entusiasmos, Ele quer ficar conosco como dom perpétuo, como lembrança sempre renovada de seu amor.

Ele nos deixa a Divina Eucaristia. Na noite, para sempre memorável, da última ceia, antes de deixar-nos, Ele nos apresenta o seu dom: o dom infinito de um Deus infinito. Ele nos podia ter deixado e apresentado como lembrança o seu presépio, que havia tocado seu corpo adorável... a sua cruz embebida de seu sangue, a sua túnica, manchada pelas suas chagas, o véu de Verônica, representando o seu semblante... Mas Ele achou que tudo isso era pequeno para a intensidade de seu amor.

Eis porque na Última Ceia, após as despedidas lancinantes, dirigidas a seus apóstolos, Ele se levantou de repente, e olhando para aqueles que ia deixar sozinhos, neste mundo, ele abriu a sua túnica, e arrancando de seu peito o próprio coração, todo ensanguentado pelo sacrifício e todo luminoso pelo amor, lhes disse: Eis o meu dom.

Mais poderoso e mais terno que os homens, eu quero vos deixar um dom que seja digno de mim: eu vos dou o meu próprio corpo, a minha alma, a minha divindade. Encerro tudo isso numa pequena hóstia, inerte em suas aparências, mas contendo o céu em sua substância. E não quero que seja uma simples lembrança exterior, mas quero que este dom seja o alimento da vossa alma.

Tomai e comei, isto é o meu corpo... Meu corpo dado a todos, imolado para todos... Feito alimento para todos. Neste dom está a divindade inteira: as três pessoas divinas, vivas e ativas, de uma atividade que é: A força do Pai eterno. O amor do Filho de Deus. A consolação do Espírito Santo.

O que contém este Dom?

Acabamos de dizê-lo: o dom de Deus contém os três elementos, cujos princípios são atribuídos a cada uma das pessoas divinas:

A) Força do Pai Eterno

Quem dividará desta força? Perguntai a todos os homens de bem, aos santos, aos mártires, às almas religiosas, deixando tudo o que o mundo lhes oferecia de gozo e de glória, para irem sepultar-se nas florestas selvagens, nos hospitais de leprosos, na abnegação da educação, perguntai-lhes donde lhes vem a força de fazer tais sacrifícios; tods, sem excessão, apontarão para o tabernáculo e responderão sem hesitar: é a Eucaristia, é a Comunhão.

A Eucaristia contém uma força divina, aliás, significada pela matéria escolhida por Nosso Senhor: o pão. Do mesmo modo que o pão físico é o alimento básico do Corpo, assim o pão celestial é o alimento báscio da alma, a sua força insubstituível.

B) Amor do Filho de Deus

A Eucaristia é o sacramento do amor, porque é nele que Deus manifesta mais claro e mais expressivamente a imensidade de seu amor para com os homens. Amar é dar. Aqui Jesus dá tudo o que tem e o que é: a sua carne a comer, o seu sangue a beber.

O efeito principal da Eucaristia deve ser o amor. [...] Deus é caridade: é a sua definição[...].

C) Consolação do Espírito Santo

[...]O bom Mestre predisse aos apóstolos: Vós haveis de chorar e gemer, e o mundo se há de alegrar (Cf. Jo 16, 20).

É para consolá-los que lhes promente enviar o Consolador. A consolação é uma necessidade na vida: é como a gota de óleo que se deixa cair no “pivô” de uma rodagem: suavisa os atritos, evita o gasto, acelera o movimento.

Estou cheio de consolação, disse o apóstolo, por isso superabundo de alegria (Cf. 2Cor 7, 4).

A Consolação gera, de fato, a alegria, e a alegria dá valor aos dons oferecidos a Deus. E encontramos esta alegria perto de Jesus Sacramentado.

Pe. Júlio Maria De Lombaerde
Comentário Eucarísitico do Evangelho Dominical in Mistagogia Eucarística do PJM, págs 73-78.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Saudação ao Povo de Deus na Diocese de Caratinga

Por Dom Emanuel Messias de Oliveira,
Bispo eleito de Caratinga-MG





Minha querida e já amada porção do Povo de Deus na Diocese de Caratinga; filhos diletos do novo Presbitério a mim por Deus confiado.

Ainda me encontro como que cansado de uma longa viagem, com a cabeça meio confusa no turbilhão dos últimos acontecimentos, em nível eclesial com o telefonema do Sr. Núncio Apostólico, falando da minha nomeação pelo Santo Padre para bispo da Diocese de Caratinga (dia 26 de janeiro, de manhã) e pedindo meu assentimento: e, em nível diocesano, nesta mesma noite, em que fiquei sem dormir, a notícia, antes das 6 h, da morte de um padre do meu presbitério, depois de um longo sofrimento com câncer. Neste tempo “pai” e “filho” sofrem juntos, não é mesmo?!

Na verdade, um “anúncio” (uma nomeação) pode tirar o chão, onde a gente está  pisando. Dois, deixam a gente perturbado. Mas não foi perturbação semelhante, que a Santíssima Virgem Maria sentiu, diante do inesperado anúncio do Arcanjo Gabriel? “Ela perturbou-se com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação” (Lc 1, 29). O Arcanjo consolou Maria e ela disse um Sim corajoso: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Longe de mim  comparar o meu sim com o SIM de nossa Mãe querida. Pobre de mim, tão frágil e cheio de pecados! Refiro-me apenas à confusão mental e, apesar disso, a força interior que o Senhor também me concedeu, para responder sim imediatamente ao seu chamado.

Depois vieram as insônias, mas isso não significa dúvida, medo ou coisa parecida; apenas frutos dos impactos recebidos. Fiz este pequeno prefácio, apenas para vocês sentirem comigo o peso do sim dos discípulos apaixonados pela causa do Reino.  No fundo, a minha fé é forte e cheio de firmeza o meu sim, mas reconheço a pequenez e fragilidade do meu ser. Mas é verdade que o Senhor chama os pequenos para confundir os grandes, escolhe os fracos para envergonhar os fortes.

Assim, querido e já amado povo de Deus da Diocese de Caratinga, filhos queridos do meu novo presbitério, se saio chorando com saudade intensa da queridíssima Diocese de Guanhães, chegarei sorrindo, com a graça de Deus, para a minha nova missão. Apesar da minha pobreza e pequenez, levo comigo o coração dilatado, cheio de ternura para com todos vocês. Ternura (do latim teneritia) aponta para um afeto interior, vivido com participação viva, afetuosa e dinâmica. É com  esta abertura interior que quero abraçar todos vocês. Aliás, o meu lema, no meio de vocês, será o mesmo: “A serviço da misericórdia”. A palavra latina “misericórdia” é esta abertura do coração para o carente, o necessitado (e quem não é necessitado?). Se esta palavra já é linda em latim, mais rica ainda é aquela hebraica (rachamim), que indica as entranhas de misericórdia do Pai, a comoção de suas entranhas. O verbo grego correspondente para mostrar a compaixão, o amor misericordioso de Jesus é splanknizomai. É com este amor visceral que quero amar todos vocês. O termo hebraico, citado acima, deriva de rechem, que significa útero, órgão gerador de vida. Não é outra coisa que desejo realizar entre vocês: gerar vida. Jesus mesmo disse que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

Quero levar esta minha saudação amorosa a todos e todas, sem exceção, mesmo que eu me esqueça de enumerá-los aqui: desde as crianças, dando impulso à Pastoral da Criança, até os idosos (a melhor idade), por quem tenho profunda reverência. Quero saudar as crianças da catequese, os adolescentes, os jovens da crisma, os estudantes, os universitários, os casais (casados ou não no religioso), os viúvos e viúvas, as pessoas com deficiência, seja ela de qualquer tipo, os queridos seminaristas, sempre pupila dos meus olhos, o meu novo Presbitério com seus padres e diáconos, a quem dedicarei todo o meu carinho; todas as pastorais, todos os movimentos, os amados e amadas religiosos e religiosas professas ou em formação. Plagiando Ct 2, 16: “O meu amado é todo meu e eu sou dele”, ouso dizer: “Eu serei todo de vocês e vocês serão um povo todo meu”. Não é outra a função do Bom Pastor e é um bom pastor que desejo ser para todos vocês.

Desde o dia 26 de janeiro (dia do telefonema do Sr. Núncio Apostólico)  rezo fervorosamente por todos vocês; e, hoje, quero pedir, implorar e mendigar as preces incessantes de todos vocês, para que o Senhor (sem o qual nada podemos fazer) venha em socorro da minha incompetência e fraquezas, para que eu não impeça que as graças abundantes que brotam do coração amoroso do Pai possam fluir generosas para o íntimo de todos vocês na alegria do Espírito Santo para que vocês se tornem cada vez mais apaixonados por Aquele que, vindo para servir e não para ser servido, derramou seu sangue para a salvação de todos nós. Que a Virgem Maria, a mãe do SIM, nos acompanhe a todos nessa nova caminhada.

Guanhães, 16 de fevereiro de 2011.

Reflexão litúrgica - Sobre o ato de ajoelhar-se

Escrevi, recentemente, um artigo para o Apostolado Sociedade Católica, comentando a postura adequada para a Adoração, especialmente Eucarística. Faço, portanto, a indicação deste texto, que pode agradar aos nossos leitores.

Perante o nome de Jesus todo joelho se dobre

Por Matheus R. Garbazza
Postulante da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora,
Estudante de Filosofia pela FAJE – BH,
E membro do Apostolado Sociedade Católica

Bendizei a Deus... aclamai e reconhecei que sua misericórdia é para sempre” (Dn 3,90)

Dado que a Igreja vive da Eucaristia, a Santa Missa é aquele momento específico do tempo em que mana com toda a força a vida da Igreja. Pela ação do Espírito Santo e pelas palavras do sacerdote, torna-se presente sobre nossos altares o mistério tão sublime de nossa redenção, o sacrifício salvífico único de Cristo sumo-sacerdote, conforme narra-nos a Carta aos Hebreus: “Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pela imolação de si mesmo” (9,26). 

Jesus Cristo se faz realmente presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Por este motivo, a grandeza da Santa Missa é incomparável: “O augusto sacrifício do altar é insigne instrumento para aos crentes distribuir os méritos derivados da cruz do divino Redentor: ‘toda vez que se oferece este sacrifício, cumpre-se a obra da nossa redenção’”. Diante de tão augusto acontecimento, brota do coração do homem redimido um sentimento único, que só aparece diante da majestade divina: a adoração. 

De fato, a adoração é um dos fins da Liturgia Eucarística. “Idênticos, finalmente, são os fins, dos quais o primeiro é a glorificação de Deus. Do nascimento à morte, Jesus Cristo foi abrasado pelo zelo da glória divina e, da cruz, a oferenda do sangue chegou ao céu em odor de suavidade. E porque este cântico não havia de cessar, no sacrifício eucarístico os membros se unem à Cabeça divina e com ela, com os anjos e os arcanjos, cantam a Deus louvores perenes, dando ao Pai onipotente toda honra e glória.”

Em palavras simples e facilmente compreensíveis, como poderíamos definir a adoração devida unicamente à soberania divina, culto esse que nem à Santíssima Virgem Maria e a nenhum dos santos é devido? 

“A adoração pode ser preparada por longa reflexão, mas termina com uma intuição e, como toda intuição, não dura muito. É a percepção da grandeza, da majestade, da beleza e também da bondade de Deus e de sua presença que tira a respiração. É uma espécie de naufrágio no oceano sem margens e sem fundo da majestade de Deus”.

Sendo a adoração uma intuição, nada mais justo que se exprima no nível interior, cognitivo, espiritual. É antes de tudo, portanto, um movimento interno. Tanto que uma das expressões mais perfeitas da adoração é precisamente o silêncio, onde se encontra Deus. No silêncio é que tudo se cala, tudo cessa, tudo desfalece. Ali, onde nada mais existe, só existe Deus. Esse Deus que é digno de receber toda a adoração do nosso coração. 

Lembrando-nos de que a “a fé, se não se traduz em ações, por si só está morta”(Tg 2, 17) e de que “aquele que ouve a Palavra e não a põe em prática é semelhante a alguém que observa o seu rosto no espelho: apenas a observou, sai e logo esquece como era a sua aparência”(Tg 1, 23-24), temos que a adoração – sendo primariamente interior – deve exteriorizar-se por atos concretos. Especialmente quando a consideramos no contexto da ação litúrgica que – pela própria força do nome – é culto público dos homens a Deus. 

Acerca da relação entre sentir e agir, explana o Pe. Leo Tresse: “’Sim, creio na democracia, creio que um governo constitucional de cidadãos livres é o melhor possível’: alguém que dissesse isto e ao mesmo tempo não votasse, nem pagasse os seus impostos, nem respeitasse as leis do seu país, ficaria em evidência pelas suas próprias ações, que o condenariam como mentiroso e hipócrita. É igualmente evidente que qualquer pessoa que manifeste crer nas verdades reveladas por Deus e não se empenhe em observar as leis de Deus, será absolutamente insincera”.

Dentre os diversos modos de exteriorizar o movimento de adoração, encontra-se na Igreja Latina o gesto de ajoelhar-se, colocar-se pequeno diante d’Aquele que é adorado. Sto. Tomás de Aquino, grande teólogo da Igreja e – sobretudo – um homem místico, já cantava esse aniquilar-se do homem diante de Deus: Adoro-te, devote, latens Deitas/ Quæ sub his figuris vere latitas/ Tibe se cor meum totum subjicit,/ Quia te contemplans totum deficit (Com devoção te adoro, oculta Divindade, em verdade escondida sob estas figuras. A ti meu coração todo se confia, porque ao contemplar-te cai e desfalece). 

Sem dúvidas, na presença do Senhor ressuscitado todo o ser do homem (alma e corpo, naquela feliz unidade querida pelo criador) desfalece, despenca, prostra-se. Analogamente ocorre durante a celebração da Santa Missa. Ao fazer-se sacramentalmente presente no Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor recebe de seu rebanho fiel a adoração e o louvor, também pela sua posição corporal – de joelhos. 

Há pessoas porém, talvez até bem intencionadas, que tentam a todo custo dissuadir os fiéis dessa postura tão edificante. Seja por acharem que não se coaduna com a nossa cultura vigente, ou por a considerarem demasiadamente humilhante, ou por julgarem uma postura inadequada para a assembléia daqueles que, tendo sido salvos por Jesus Cristo, lhe rendem culto. 

Muito embora busquem propagar estas idéias, que se encontram infelizmente difundidas em alguns círculos eclesiais, estes indivíduos equivocam-se. Apesar de pontualmente possuírem razão em uma ou outra argumentação, erram em sua conclusão: “não se deve ajoelhar durante a Santa Missa ou em outros atos litúrgicos”. 

Estão, portanto, enganados, segundo o que se verifica: 

1º - Pela fundamentação bíblica
2º - Pela reflexão teológica
3º - Pela autoridade da Igreja

***

A íntegra do texto pode ser conferida no sítio do Apostolado, pelo endereço: [http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=702]


Ao final, acrescentei ainda o De Joelhos, escrito pelo Pe. Júlio, para enfatizar ainda mais o sentido teologico-espiritual desse belo ato.

Espero que os leitores possam fortalecer as suas convicções ou, no mínimo, serem motivados à reflexão.

Pro Catholica Societate!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Segredo da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria [III]

CAPÍTULO I
CONCORDÂNCIA DE DOUTRINAS

Três grandes idéias dominam a espiritualidade de hoje: a de Santa Teresinha, a de Santa Margarida Maria e a de São Luís Maria Grignion de Montfort.

O espírito de cada um destes santos é, respectivamente:

O abandono filial,
A união amorosa,
A dependência total.

Santa Teresinha insiste sobre o abandono filial e põe em relevo a bondade de Nosso Senhor. Esta é a base de sua santa infância.

Santa Margarida Maria concentra-se sobre a união amorosa com o Coração de Jesus e faz sobressair o amor infinito que este divino Coração tem aos homens.

São Luís Maria Grignion de Montfort salienta a nossa total dependência de Jesus e Maria, e o reino do Salvador nas almas.

I. Aparente contradição

À primeira vista, parece haver contradição ou pelo menos, separação, entre a doutrina destes santos. Tal separação, porém, não existe. E até reina entre os ensinos deles a mais completa harmonia e a unidade mais perfeita.

O que há é diferença de expressão, segundo a finalidade, que cada ensino tem em mira.

Santa Teresinha é a apóstola da bondade de Jesus.
Santa Margarida Maria é a pioneira do amor desprezado do Coração de Jesus.
São Luís Maria Grignion de Montfort é o soldado do reino de Jesus por Maria.

Para realização de seu ideal, cada um dos três exige das almas piedosas o que constitui a base de toda santidade: a humildade perfeita.

Ora, há três modos de praticar a humildade:

1. Entregando-se, com abandono total, à pessoa, que manda;
2. Ficando em união de vontade com quem manda;
3. Permanecendo na dependência completa de quem manda.

Abandono, união e dependência, são manifestações de uma só virtude: a humildade.

O abandono é mais filial e mais suave,
A união é mais amorosa e mais íntima,
A dependência é mais radical e mais humilde.

Santa Teresinha escolheu o abandono de si mesma, enquanto Santa Margarida adotou a união amorosa e São Luís Maria Grignion de Montfort recomendou a dependência.

O abandono de si constitui a via da santa infância.
A união realiza o espírito de reparação e expiação.
A dependência concretiza a Santa Escravidão.

São os métodos dos três santos.

II. Método de Santa Teresinha

Sta. Teresinha, da Infância Espiritual
A humildade de coração forma a base da infância espiritual promulgada por Santa Teresinha.

Pode-se de fato distinguir: humildade de espírito, humildade de vontade e humildade de coração.

A santinha escolheu a humildade de coração, para patentear que sua humildade não é simplesmente o estado da alma, que vê que nada é e nada pode, mas ainda o estado de amor a esta nulidade.

Averiguar que nada somos é o primeiro passo; amar esta condição é o segundo.

Aceitar uma humilhação com calma é a humildade de espírito.

Procurar aquilo que humilha é a humildade de vontade.

Amar a humilhação e nela comprazer-se, – eis a humildade de coração.

Ser pequeno” – diz a amável santinha – é não atribuir a si mesmo as virtudes praticadas, nem reputar-se capaz de qualquer coisa; é, sim, reconhecer que é o bom Deus, que põe nas mãos de seus filhinhos o tesouro da virtude, de que Ele se serve quando precisa, porquanto a virtude permanece sempre tesouro de Deus.

O que agrada a Jesus em minha pequenina alma é ver que amo a minha pequenez e minha pobreza, é a cega esperança que tenho em sua misericórdia”.

Estas palavras resumem toda a espiritualidade de Teresinha.

Não somente ela se julga pequena, fraca e inconstante, mas ama esta pequenez, compraz-se nela e nela acha a sua riqueza.

Continua Santa Teresinha: “Para sermos humildes, é preciso que consintamos alegremente em tudo o que os outros nos mandam.

Quando alguém vos pedir um serviço, considerai-vos um pequeno escravo, a quem todos possam dar ordens” .

É o caminho do santo abandono nas mãos de Deus. Consiste em considerar Deus como pai carinhoso e aceitar com amor tudo o que Ele nos manda.

A santinha de Lisieux deu a esta prática o nome de infância espiritual. Veremos depois como esta convicção e amor da própria pequenez redunda no que São Luís Maria Grignion de Montfort chama Santa Escravidão.

III. O método de Santa Margarida

Santa Maria Margarida e a aparição do Coração de Jesus
Santa Margarida, cujas revelações foram o mais belo e completo código da santidade, trilhara o mesmo caminho e ensinara a mesma prática de Santa Teresinha.

Deu-lhe apenas um nome diferente, por tê-la considerado sob outro prisma.

Santa Teresinha concentra-se na união com Jesus sob o nome de dependência filial, e termina na prática da Santa Escravidão.

A vidente de Paray-le-Monial exalta a mesma união sob a forma de união amorosa; e termina, como Santa Teresinha, na Santa Escravidão.

Na primeira e solene aparição do Coração de Jesus – 1674 – o divino Salvador disse à Santa: “Até então tomaste o nome de escrava; de agora em diante te dou o nome de discípula querida de meu coração”.

Mais tarde Jesus lhe disse – 1688 – : “Enfim és inteiramente minha, vives para mim, vives para fazer tudo o que eu desejar, filha minha, como minha esposa, minha escrava, minha vítima, dependente em tudo do meu coração”.

E é por isso que, em suas cartas, na narração de sua vida e em várias de suas consagrações, a santa se declara escrava do Coração de Jesus. Deseja ela com este título, exprimir a sua submissão total ao Coração de Nosso Senhor e aos deveres impostos por esta devoção.

Escreve alhures: – “Quero fazer consistir toda a minha glória em viver e morrer na qualidade de vossa escrava”. No retiro de 1672, inspirada pelo Sagrado Coração, escreveu em suas resoluções o seguinte:

“Eu, ínfima e miserável criatura, protesto, diante de Deus,submeter-me e sacrificar-me em tudo o que Ele pedir de mim, imolando o meu coração no cumprimento de sua vontade, sem reserva de outro interesse que sua maior glória e seu puro amor, ao qual consagro e entrego todo o meu ser e todos os meus movimentos. Pertenço para sempre ao meu bem-amado, como sua escrava, sua serva e sua criatura”.

Vê-se, claramente, através destes sentimentos e expressões da santa, que o título de escravo não é uma novidade na vida espiritual; é, sim, para ela a expressão adequada de sua completa entrega a Jesus Cristo.

Margarida Maria, que muito bem soube interpretar os desejos do Coração de Jesus, não ignorava, por certo, as suaves intimidades da infância espiritual. Mas compreendia também que entre os dois termos escravidão e confiança não havia nenhuma incompatibilidade, e, mais perfeita harmonia de doutrina e de prática.

IV. A Santa Escravidão

São Luís M. G. de Montfort,
autor da Santa Escravidão
Ensina-nos São Luís Maria Grignion de Montfort as virtudes, obras a praticar e as disposições de que devemos nos revestir, para alcançar esta Santa Escravidão ou dependência completa de Jesus por Maria ou de Maria por Jesus.

Por ora não vamos insistir sobre estes pontos, pois serão longamente desenvolvidos no correr do livro. Mostremos apenas a união de espírito entre Jesus e Maria; sem isto não poderemos compreender os termos que Montfort emprega.

São Francisco de Sales diz a respeito: “A Virgem Santíssima tinha uma só vida com seu divino Filho. Jesus e Maria eram, de certo, duas pessoas, mas tinham um só coração, uma só alma, um mesmo espírito, uma vida idêntica”.

Se o Apóstolo pôde dizer que a sua vida era a vida de Cristo, com mais razão podia dizer a Santíssima Virgem que a “sua vida era a vida de Jesus”.

Ora, sendo assim tão unidos Jesus e Maria, a ponto de terem uma só vida, podemos, logo, chamar-nos, indiferentemente: escravos de Maria ou escravos de Jesus.

Montfort insiste muito sobre este ponto. Repete, a cada passo, que há a mais íntima união entre Jesus e Maria. Tão intimamente são unidos, que um se acha inteiramente no outro. Jesus está inteiramente em Maria. Maria Santíssima está inteiramente em Jesus.

Ou, antes, ela não é mais ela, mas Jesus é tudo nela; a tal ponto que diz ser mais fácil separar a luz do sol do que separar Maria de Jesus.

Maria Santíssima torna-se, deste modo, um caminho fácil para irmos a Jesus. E isto porque um caminho preparado pelo próprio Deus; caminho pelo qual Jesus Cristo veio ate nós e onde não há estorvo ou obstáculo.

Daí resulta, – continua Montfort – que a devoção que mais intimamente nos une a Maria pode ser considerada como o caminho fácil, curto, perfeito, para conduzir à união divina, na qual consiste a perfeição cristã... Além disso, este caminho é muito fácil por causa da plenitude da graça e da unção do Espírito Santo de que está repleto”.

Neste caminho – completa o Santo – não há nem lodo nem poeira, nem a menor mancha de pecado, pois a Virgem Imaculada é a mais perfeita e a mais santa das criaturas, de modo que Jesus Cristo chegou perfeitamente até nós, sem tomar outro caminho em sua grande e admirável viagem do céu à terra”.