4º Domingo depois da Epifania (Segundo a forma extraordinária do Rito Romano)
Evangelho: Mt 8,23-27
23. Subiu ele a uma
barca com seus discípulos.
24. De repente,
desencadeou-se sobre o mar uma tempestade tão grande, que as ondas cobriam a
barca. Ele, no entanto, dormia.
25. Os discípulos
achegaram-se a ele e o acordaram, dizendo: Senhor, salva-nos, nós perecemos!
26. E Jesus
perguntou: Por que este medo, gente de pouca fé? Então, levantando-se, deu
ordens aos ventos e ao mar, e fez-se uma grande calmaria.
27. Admirados,
diziam: Quem é este homem a quem até os ventos e o mar obedecem?
Comentário Apologético
Já vimos que há um Deus Criador e
Conservador... estas duas noções importantes completam-se pela noção de Deus
remunerador.
Esta palavra significa que Deus
recompensa ou castiga a sua criatura racional, - o homem, conforme obedece ou
desobedece às leis que lhe são traçadas pelo Criador.
O Evangelho de hoje nos mostra os
Apóstolos em luta contra a fúria do mar, enquanto Jesus dormia sossegado no
fundo da barca.
Em seu terror aproximam-se de
Jesus, clamam e pedem socorro; e na hora mesma, Jesus recompensa a sua
confiança e põe um freio às ondas em revolta.
Estudemos hoje este assunto
importante, examinando com amor estes dois pontos importantes que dizem
respeito à remuneração.
1º. Em que consiste a remuneração divina.
2º. As provas desta remuneração.
O homem sendo atraído ao bem pela
esperança de uma recompensa e afastado do mal, pelo temor, estas considerações
nos estimularão no cumprimento do nosso dever.
I. A remuneração ou sanção
Existe uma lei divina: é certo.
Ora, toda lei deve ter uma
sanção.
Logo, Deus não pode tratar do mesmo
modo os que cumprem esta lei e aqueles que a desobedecem e deve,
necessariamente, em virtude da sua justiça, recompensar os bons e castigar os
maus.
Esta sanção é imperfeita e
perfeita.
Ela é imperfeita neste mundo para
os indivíduos, porém ela é perfeita para as nações. A razão é que os homens têm
um destino eterno e podem receber na outra vida uma sanção perfeita: o céu para
os bons, o inferno para os maus.
As nações tendo apenas uma existência
terrestre, recebem, aqui na terra, a recompensa ou o castigo de seus atos.
Na terra Deus aplica a sanção
imperfeita:
- Pela voz da consciência, que
aprova ou condena, que é alegre ou cheia de remorsos, conforme os nossos atos.
Fazendo um ato bom, sentimos uma
aprovação interior deste ato, uma consolação que sustenta e anima; ao passo
que, fazendo o mal, sentimos uma espécie de mordedura no coração, um desgosto
íntimo: é o remorso. Nem os aplausos do público, nem a fortuna, nem as honras
são capazes de impor silêncio a este testemunho inexorável.
O homem mau, embora rico e
honrado pelo mundo, ouve no meio dos prazeres, sorrisos e adulações, uma voz
estridente que lhe brada: - Tu és um miserável! Tu não mereces estas honras!
II. As provas desta remuneração
A remuneração ou sanção
imperfeita é visível, palpável. Basta observar os fatos; porém lá não se limita
a sanção divina: há uma outra perfeita na outra vida.
De fato, a sanção temporal falta
muitas vezes e deve faltar. Porque, se os justos fossem sempre recompensados
neste mundo e os maus sempre castigados, os homens serviriam a Deus por
interesse temporal, por medo, por egoísmo e não por amor e, deste modo, a ordem
moral, fundada sobre a obediência livre seria completamente destruída.
É preciso, pois, que haja uma
sanção perfeita na outra vida, que consiste numa recompensa eterna ou num
castigo sem fim.
Tal sanção eterna nos é revelada
pela fé e não pela simples razão. Podemos, entretanto, mostrá-la por motivo da
razão.
a) Corresponde às aspirações da
nossa natureza;
b) É admitida por todos os povos.
A nossa natureza aspira de toda
sua força a uma felicidade integral, sem fim. Ora, não encontramos aqui na
terra uma tal felicidade. Logo, deve existir na outra vida.
É duro, sem dúvida, o pensamento
de um castigo eterno para as faltas cometidas neste mundo e não expiadas,
porém, basta lembrar-nos:
a) de que o homem morto num
estado de rebelião voluntária contra Deus, fica fixado definitivamente neste
estado, de modo que não pode mais ser objeto de qualquer recompensa.
b) de que se o castigo do crime
não fosse eterno, a sanção imposta por Deus seria impotente para fazer evitar o
mal e a sua justiça poderia ser insultada impunemente pelo pecador, que poderia
dizer-lhe: Tu serás obrigado a perdoar-me um dia, ou a aniquilar-me; e num ou
noutro caso, escaparei aos teus rigores.
III. Conclusão
Os homens admitem facilmente a
eternidade de felicidade, mas repugna-lhes a eternidade de suplícios.
A segunda, entretanto, é a conseqüência
necessária da primeira. Se Deus é justo e bom, Ele deve recompensar a
virtude... e quem recompensa a virtude deve necessariamente castigar o mal,
pois é a destruição da virtude.
Para todo o pecado há
misericórdia neste mundo; não porém no outro. A razão é simples.
Neste mundo o homem pode
converter-se, porque passado o instante do pecado, resta-lhe outro instante em
que pode arrepender-se.
A eternidade é um ponto imutável;
não é uma sucessão sem fim de séculos, anos e minutos, mas sim um presente
eterno, sem futuro e sem outro passado senão o da terra.
Uma vez entrado neste presente
eterno, não há mais mudança possível: qual se entra, tal se fica.
O justo entra e fica justo:
recebe a recompensa. O mau entra e fica mau: logo o castigo abate-se sobre ele,
enquanto for mau: e não podendo mais mudar, fica mau eternamente e merece como
tal um castigo eterno.
Exemplos
1. No tribunal revolucionário
Um sacerdote compareceu perante o
tribunal revolucionário de Lião.
- Crês tu no inferno? Perguntou o
Juiz ateu.
- Oh! Como poderia duvidar do
inferno, respondeu o Padre, vendo o que se passa aqui na terra!? Se tivesse
sido incrédulo, neste momento me tornaria crente.
Nada, de fato, prova melhor a
existência de uma sanção futura do que a impunidade de que gozam os maus neste
mundo.
Inútil será dizer que o corajoso
sacerdote foi logo condenado à morte.
2. Uma palavra do Padre Grange
Alguém disse diante do Padre,
grande Apologista popular.
- Não creio no inferno: ninguém
voltou de lá para dizer-nos o que há no além.
- Cuidado, respondeu o Padre,
isto prova que quem entra no inferno não sai mais.
3. Miguel Ângelo
Quando Miguel Ângelo pintava o
célebre quadro do Juízo final, na Capela Sistina do Vaticano, um Camareiro do
Papa criticou um dia a obra do mestre. Este, para vingar-se, pintou o
camareiro, tendo orelhas de burro, no meio dos réprobos, enroscado nas dobras
de uma serpente.
O camareiro foi queixar-se ao
Papa, pedindo-lhe que mandasse apagar este retrato.
O Papa perguntou-lhe sorrindo:
Onde é que te colocaram?
- No inferno, no meio dos
réprobos, Santo Padre.
- Oh, então, retrucou
maliciosamente o Pontífice, é impossível; se te tivessem metido no purgatório,
eu poderia ajudar-te, no inferno porém, é impossível. Sabes muito bem: quem lá
entra, aí fica!