domingo, 20 de março de 2011

Jejum e abstinência

Nesse II Domingo da Quaresma, apresentamos esse texto do Pe. Júlio Maria sobre o jejum e a abstinência. Foi retirado do livro polêmico Luz nas trevas. Não obstante o tom apologético, consideramos que é eficiente para despertar os bons sentimentos quaresmais.

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I – A razão de ser


A Igreja, ciosa de seguir em tudo as prescrições e os conselhos do Divino Mestre, prescreveu o jejum e a abstinência, como penitência, em certos dias do ano.

O jejum consiste em privar-se de uma parte dos alimentos habitualmente usados, e refere-se à quantidade do mesmo alimento.

A abstinência consiste em privar-se de carne em certos dias, por espírito de penitência, e refere-se, pois, à qualidade do alimento.

Jesus Cristo prescreve o jejum sem indicar o dia deste jejum; aconselha esta prática como meio de alcançar o perdão das faltas, de expiá-las e de domar as paixões da carne. Tudo isto está claramente indicado na Bíblia.

Não tendo Jesus indicado o tempo, nem o dia destas penitências, cabe à Igreja determiná-los, para que os conselhos e preceitos do Salvador não fiquem esquecidos.

Percorramos, meu caro crente, os exemplos, os conselhos e preceitos do jejum, indicando bem os passos, para que o amigo os possa verificar em sua Bíblia.

II – Preceito do jejum

Digo logo, para espantar o meu amigo crente, que o jejum constitui não simplesmente um conselho ou uma lei eclesiástica, mas sim uma lei divina, como a oração e a esmola.

A prova é simples: o que Jesus Cristo une num mesmo preceito, deve possuir a força deste preceito. Ora, lemos em S. Mateus que o Salvador fez três preceitos para cumprir a lei e as profecias: esmola, oração e jejum.

O capítulo VI de S. Mateus é a majestosa exposição desta verdade. Jesus Cristo diz ao terminar: Quando jejuardes, não vos mostreis tristes... Ungi as vossas cabeças e lavai o vosso rosto... para não parecer aos homens que jejuais, mas a vosso Pai, que vos recompensará (16,17,18).

Em outro lugar o Salvador ensina que há tentações, que só se combatem à força de oração e do jejum (Mt 17, 20).

Ora, todos nós somos tentados. Todo homem é tentado pela sua própria concupiscência, diz S. Tiago (1, 14). Para resistir a estas tentações precisamos, pois, recorrer à oração e ao jejum.

Eis já o quanto é claro e irrefutável.

Examinemos agora se o tal preceito foi praticado pelo próprio Salvador.

III – Exemplo de Jesus Cristo                   

O grande modelo a imitar é Jesus Cristo. Ele é o caminho: Ego sum via veritas et vita (Jo 14,6). Ora, lemos em S. Mateus que antes de iniciar a sua grande obra – a fundação da Igreja – o Salvador foi conduzido ao deserto, onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4,1-2).

Como é que os amigos protestantes, que pretendem seguir a Bíblia à risca, não imitam a Jesus Cristo jejuando, em vez de atacarem o jejum praticado pelos católicos, em imitação do seu divino modelo? Que contradição! A Bíblia está repleta de exemplos de jejum. Em toda parte, em todas as necessidades encontramos a oração e o jejum, como duas práticas inseparáveis, para aplacar a Deus e obter os seus benefícios.

O jejum é como o sustento da oração. É boa a oração acompanhada do jejum, diz Tobias (12,8). Voltei meu rosto para o Senhor, meu Deus, para o rogar, o conjurar em jejuns, diz Daniel (9,3-4).

O ímpio Acab, provocando a justiça de Deus, por causa da vinha de Nabot, jejuou coberto de um cilício e alcançou certa indulgência.

Os ninivitas, urgidos que fizessem penitência, observavam o jejum, para alcançarem a clemência de Deus, etc., etc.

IV – A origem da quaresma

A quaresma, ou os quarenta dias de jejum, praticados na Igreja Católica, foi instituída pelos Apóstolos, em lembrança do Jejum de Jesus Cristo.

A prova desta asserção encontra-se na regra traçada por Santo Agostinho: “Toda prática, diz ele, recebida por toda a Igreja e cuja origem não pode ser atribuída nem a um bispo, nem a um papa, nem a um concílio, deve ser considerada como uma instituição apostólica.”

Ora, a quaresma foi sempre observada por todas as nações cristãs e não se pode fazer remontar a sua origem a uma instituição humana, posterior ao tempo dos apóstolos; logo foi instituída por eles.

Os amigos protestantes dizem que tal prática foi instituída pelo Concílio de Nicéia. É falso, pois o Concílio de Nicéia realizou-se em 325, e encontramos já nos escritos de Tertuliano e de Orígenes, no ano 200, a menção positiva da quaresma.

S. Jerônimo, no ano 400, escreveu: “Segundo a instituição apostólica, observamos um jejum de 40 dias.” (Ep. ad Marcel. ).

S. Leão é mais positivo ainda: “Foram os apóstolos, -diz ele- que, por inspiração do Espírito Santo, estabeleceram a quaresma.”

“Jejuamos em qualquer outro tempo, - diz também S. Agostinho- se quisermos, mas durante a quaresma, pecamos se não jejuamos”.

Eis, pois, bem demonstrado que a quaresma é uma instituição dos Apóstolos, instituída por eles, talvez por ordem ou conselho de Jesus Cristo, para lembrar e imitar o jejum de 40 dias do próprio Salvador.

V – O jejum na antiga e nova lei

O jejum da sexta-feira, como já disse, não existe senão na cabeça do protestante à cata de objeções; mas se existisse, teria inda a sua razão de ser, o seu fundamento. Este fundamento seria a Lei da Igreja.

A Sagrada Escritura prova a necessidade do jejum, sem determinar os dias deste jejum. Os apóstolos instituíram a quaresma. A Igreja de Jesus Cristo possui uma autoridade divina, igual à autoridade dos apóstolos, pois o papa é o legítimo sucessor dos apóstolos. É, pois, inegável que o Papa possa prescrever jejuns ou suprimí-los, em certos dias, para um fim útil ou conveniente. O jejum, como mortificação do corpo, é um preceito divino; o modo prático de exercê-lo deve ser regulamentado pela Igreja, por lei eclesiástica, que obriga a consciência.

A Igreja recebeu do seu divino Fundador o poder de legislar, ou formar leis; tal poder pertence necessariamente à autoridade de governar que S. Pedro recebeu do Salvador: Dixit ei (Pedro): Pasce oves meas (Jo 21,17).

Não se pode negar este poder à autoridade eclesiástica, tanto mais que a antiga lei dava tal poder a seus chefes, como lemos na Bíblia.

Jozafaz fez publicar um jejum em toda a Judéia, o que foi aprovado pelo Senhor, que lhe concedeu o favor implorado.

Esdras publicou também um jejum pela feliz jornada dos judeus que voltaram do cativeiro da Babilônia. Publiquei um jejum, diz ele; nós jejuamos, pois, e tudo nos sucedeu com felicidade (1Esd 8,21-23).

Jeremias publicou igualmente um jejum em Jerusalém, para toda a multidão que vinha de Judá, a fim de aplacar as vinganças do Senhor (Jer 36,9).

O profeta Zacarias faz menção de quatro jejuns, ordenados por Deus (Zac 3,19).

Eis como a Igreja do Antigo Testamento preceituava o jejum e determinava o tempo e o modo de praticá-lo, por ordem divina. É, pois, lógico que a Igreja do Novo Testamento goze do mesmo poder de que gozava a Igreja antiga, que era apenas o esboço, o símbolo e a Imagem da Igreja de Cristo.

VI – A abstinência de carne

Devemos, pois, concluir que a Igreja tem o direito de impor, em certos dias determinados, o dever de jejuar e de abster-se de certos alimentos por lei positiva do poder eclesiástico.

Se tem o poder de prescrever o jejum, deve ter também o de prescrever a abstinência de certos alimentos. Tal abstinência não é novidade; existiu na lei antiga, como existe hoje na Igreja Católica.

Os próprios apóstolos prescreviam tal abstinência. Abster-vos-ei das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue e dos animais sufocados, dizem os Atos (15,29).

Se os apóstolos prescrevem de abster-se de certas carnes, podem naturalmente prescrever tal abstinência em tempo e dias marcados, como fez a Igreja, prescrevendo em certos países a abstinência de carne, nas sextas-feiras, em lembrança da morte do divino Salvador. É claro, simples e incontestável.

VII – Conclusão


A conclusão é irrefutável. A Igreja Católica, fiel aos ensinamentos da Bíblia, apóia-se em todas as suas doutrinas sobre o texto sagrado, e faz dele o pedestal divino dos dogmas, da moral, e até das cerimônias do culto.

O protestantismo, ao contrário, limita-se em exaltar a Bíblia, e na prática afasta-se completamente dos ensinos da mesma Bíblia. Jejuar e abster-se de certos alimentos é uma prática que vem do berço da humanidade: pouco importa que o protestante proteste, porque a sua lei, a base do seu credo é protestar contra a verdade católica.

Se a Igreja proibisse o jejum e a abstinência, os amigos protestantes citariam centenas de textos para provar que o jejum e a abstinência são preceitos divinos. E estes textos podem ser encontrados, de fato.

A Igreja, firme em sua resolução divina, sustenta a verdade; e o protestante, embora não encontra nenhum texto, absolutamente nenhum, contra o jejum e a abstinência, protesta e quer ver textos que provem que se deve jejuar nas sextas-feiras.

Pe. Júlio Maria De Lombaerde, "Luz nas Trevas". Págs. 202-208

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