[UPDATE:] Favor conferir a ERRATA!
Pois bem: onde os olhos da carne
vêem a fraqueza, os olhos da razão, iluminada pela fé, vêem a força. Esta luta,
diz S. Ambrósio, não é a luta de Jesus Cristo no temor da Sua Paixão; mas no
desejo inflamado de no-la aplicar. É a luta entre dois atributos de Sua própria
natureza divina: a justiça e a misericórdia. A Justiça, que representa o Pai,
parece dizer, inflexível a Jesus Cristo: “Separa a tua causa da dos pecadores;
deixa-Me derramar a Minha cólera sobre a posteridade proscrita de um pai
culpado”. Mas a Misericórdia, que representa o Filho, parece responder ao Pai:
“Não, nunca! Eu não deixarei de combater, de sofrer, de chorar até que os
pecadores sejam postos no Meu lugar, sejam perdoados em Mim. Eu aceito sobre os
Meus ombros o peso das suas faltas; Eu incorporo-os todos; Eu me revisto do
opróbrio de todos os pecados; Eia, corram todos eles; entrem como torrentes
transbordadas, no mar do Meu coração. Como todos os rios se precipitam no mar,
as iniqüidades no mundo inteiro precipitem-se sobre a Minha alma; e, assim como
o mar absorve todas as águas, que o Meu coração afogue todos os pecados.”
E a justiça emudece! A
misericórdia triunfa! Oh! suprema ventura do Amor.
Era isto o que Ele desejava desde
o presépio.
A Sua agonia não é, portanto,
dizem os padres da Igreja, uma luta entre o espírito e a carne, entre a vontade
divina e a vontade humana. Não é uma repugnância pelo sofrimento: é uma santa
impaciência do amor.
Qual de vós, se pudésseis, para
verdes a pessoa que amais, não transformareis em olhos todos os membros de
vosso corpo?!
Dois olhos também não bastaram a
Jesus Cristo, diz um ilustre doutor, para chorar a desventura possível dos que
Ele ama: transformou em olhos todos os poros do Seu corpo, pelos quais,
transformadas em sangue, correram as Suas lágrimas!
Mas, se é assim que Jesus Cristo
nos ama, ao ponto de se revestir dos nossos pecados, como Seus próprios; sofrer
as humilhações deles; experimentar o desgosto e o terror que eles inspiram e a
contrição correspondente à sua enormidade; que loucura não é a nossa se
desprezamos tamanho amor?!
Ele tomou a responsabilidade da
pena; mas não a malícia da falta.
Tomou a superfície, a aparência,
mas não a natureza, a substância do pecado, que não perverteu a Sua vontade,
nem maculou a Sua inocência.
É preciso, portanto, que nos associemos
às Suas lágrimas e às Suas dores; que demos a nossa o suplemento da Sua
contrição.
Se a simples aparência do pecado
tornou-Lhe tão severa a justiça do Pai, que severidade não merece em nós a
realidade do pecado?!
Se, portanto, desde mistério não tiramos
como ensino o ódio do pecado, e o desejo de repará-lo pelos méritos de Jesus
Cristo, de nenhum proveito nos pode ser a Sua mediação.
Esta foi a mais heróica que o
Amor nos podia dar. Para resgatar o mundo, Deus não precisava derramar o Seu
sangue; podia fazê-lo por uma infinidade de meios que não alcança a nossa
imaginação. Entretanto, a efusão de Seu sangue pareceu-Lhe o meio mais condigno
da Misericórdia, e o mais capaz também de enternecer os nossos corações. Ainda
mais: uma vez decretado que a redenção se fizesse pelo sangue, uma gota, sem
dúvida, do sangue divino bastava, pelo seu mérito infinito, para remir este e
todos os mundos possíveis. Que digo eu?! Uma gota de sangue?! Bastava uma
lágrima, um suspiro, um gemido, uma simples súplica de Jesus Cristo.
Entretanto, derrama-o com prodigalidade, em diversas e abundantes efusões: na
Circuncisão, que foi como que a impaciência do precioso Sangue; na Agonia, que
foi a antecipação da Paixão; na Flagelação, que foi o sangue de Deus dado em
espetáculo à cidade e ao povo; na Coroação de espinhos, que foi o tributo pago
pela cabeça divina aos pensamentos inefáveis da salvação; no Caminho do
Calvário, que foi os esposais do Precioso Sangue com a Cruz; no Calvário, que
foi o Seu consórcio; na abertura do Sagrado Coração, que foi o testemunho
póstumo do amor de Jesus Cristo, derramando Seu sangue ainda depois de morto
Ora, como diz brilhante teólogo,
não há superfluidade, nem ornamentos vãos nas obras de Deus. Se Ele, portanto,
derramou o Seu sangue com tanta prodigalidade, é que a nossa condição o exigia,
e neste sentido o Precioso Sangue, tão necessário à onipotência divina para
salvar o mundo, o era, entretanto, a Sua misericórdia, e a nossa miséria, tão
enorme que foi preciso o Precioso Sangue, como um oceano transbordado, alagasse
o mundo e viesse até as nossas almas por esses sagrados canais que se chamam os
sacramentos: o Batismo, que não é senão o precioso Sangue dando a uma gota
d’agua o poder de operar uma revolução espiritual maior que todas as criações
do mundo material; a Penitência, que não é senão a aplicação autêntica do
Precioso Sangue sobre a cabeça do pecador arrependido; o Matrimônio, que não é
senão a figura do casamento do precioso Sangue com a Igreja; a Confirmação, que
não é senão o vigor do precioso Sangue comunicado pelo Espírito Santo; a
Extrema-Unção, que não é senão o Precioso Sangue dando ao óleo o poder de fortificar o
moribundo; a Ordem, que não é senão o coração terrestre, o vaso que guarda o
precioso sangue; a Eucaristia, que não é senão a ubiqüidade do Precioso Sangue,
multiplicado em milhares de hóstias e milhares de cálices!
E que seria o mundo sem o sangue
de Jesus Cristo?
O mundo seria insuportável, a
vida sem esperança, as desgraças sem consolação.
Quaisquer que sejam as pretensões
da ciência; qualquer que seja a presunção do espírito moderno; é o sangue de
Jesus Cristo que detém suspensa sobre o mundo a cólera divina; que permite
ainda a humanidade, no meio de tantos erros, calamidades e tristezas, algumas
felicidades no seu exílio.
Vinde; vinde vós todos, espíritos
modernos, inchados da vossa filantropia, que pretendeis dar aos homens
testemunhos ainda não vistos de fraternidade, sempre prometida, nunca realizada
pelas vossas ciências, pelas vossas filosofias, pelas vossas políticas; vinde
ver, vinde aprender na Agonia do Jardim como se ama a humanidade.
E vós também, falsos profetas,
Messias impostores do século 19, que prometeis aos povos novas religiões, e os
quereis convencer de que eles devem esperar maiores e melhores provas de amor
de Deus; vinde ver na Agonia do Jardim se o amor de Jesus Cristo pode ser
excedido!
Vinde vós todos, também,
espíritos modernos, que na tragédia, no drama, no romance, na música, na
pintura ou escultura, tendes alimentado a ardente ambição de ver realizado na
terra o ideal do Amor; vinde – vinde vê-lO realizado na Agonia do Jardim!
Tudo o que a imaginação pode
conceber; tudo o que o coração pode desejar; tudo o que a alma humana pode
sonhar – ei-lo realizado!
Todas as ciências, todas as
literaturas, todas as artes não podem traduzir um ideal igual.
A Agonia no Jardim é a última
palavra do amor.
É o sacrifício completo, não
imposto por uma força exterior, pelas prevaricações da justiça, pela crueldade
dos judeus, pela brutalidade dos carrascos, mas pela própria vontade da vítima.
É a vitima sacrificada pelo
gládio inflamado do Seu próprio amor.
Jesus Cristo tinha dito que o Seu
sacrifício seria voluntário: voluntarie sacrificabo tibi.
Pois bem; o que no Calvário, diz
um padre, poderia parecer resultado de vontade exterior, no Jardim mostra-se
como o resultado da própria vontade de Jesus Cristo.
Ali, nem tormentos, nem golpes,
nem feridas.
A traição de Judas, a injustiça
de Pilatos, a crueldade dos carrascos não têm parte no sacrifício. Nenhum
delito desonra tão grande sacramento; nenhuma infâmia macula uma oferenda tão
pura; nenhuma boca escarnece tão divina imolação.
O amor é a Sua própria vitima, o
Seu próprio altar, o Seu próprio pontífice.
E o sacrifício de Jesus Cristo é
completo; porque Sua vontade é o instrumento que Lhe abre as veias, Sua
santidade é o altar onde corre o sangue, e o amor é o pontífice que O oferece
ao Pai!
(A Paixão, pelo Padre Júlio Maria, Cruzada da Boa Imprensa - Rio, ano de 1937)
Muito providencial esse texto neste tempo de quaresma. Tempo apropriado para pensarmos no verdadeiro sentido da "Paixão de Cristo".
ResponderExcluirPadre Júlio Maria foi muito feliz em suas palavras, principalmente no trecho:
"Se, portanto, desde mistério não tiramos como ensino o ódio do pecado, e o desejo de repará-lo pelos méritos de Jesus Cristo, de nenhum proveito nos pode ser a Sua mediação."
Queira Deus que cada cristão possa acolher essas palavras e colocá-las em prática.
Parabéns, Matheus!
Matheus.
ResponderExcluirTem algum e-mail em que eu consiga falar com você?
Tenho algumas dúvidas e acredito que possa ajudar-me!
Letícia
Prezada Letícia,
ResponderExcluirO e-mail para contato é [mrg.sdn@gmail.com]. Ele agora já está constando na barra lateral do Blog, para todos os leitores interessados.
Será um prazer atender.
Obrigado pela visita,
Matheus
-Pro Catholica Societate-
Prezado Matheus,
ResponderExcluirsalve Maria Imaculada.
Mandei o e-mail, não sei se recebeu.
Aguardo uma resposta.
Deus lhe pague por sua ajuda.
Saudações,
Letícia