segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Sustentador e Conservador da Igreja



A centralidade de Cristo em Mt 24 a partir do Pe. Júlio Maria De Lombaerde

Por Matheus R. Garbazza

O evangelista São Mateus oferece à comunidade cristã uma preciosa preparação à narração dos eventos máximos da Fé cristã que são a Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor. Trata-se do chamado “sermão escatológico”, no qual o Divino Mestre tece algumas considerações a respeito do fim dos tempos e do Reino dos Céus. Esta preparação, constituída pelos capítulos 24 e 25 de seu Evangelho, termina com o convite à vigilância constante, à modo das cinco virgens prudentes que levaram óleo de sobra e dos servos que souberam empregar os talentos concedidos pelo seu senhor. Isso porque não nos é possível saber o dia ou a hora da vida de Cristo e da instauração definitiva de seu Reino.
Concentremo-nos no capítulo 24, a abertura da fala escatológica de Cristo. Logo de início, temos Jesus e seus discípulos caminhando para fora do Templo em Jerusalém. Os discípulos, marcados pela imponência da construção simbolicamente mais importante do povo judeu, aproximam-se para mostrá-lo a Jesus. O Mestre reage com uma afirmação forte e assustadora: “Não estais vendo tudo isso? Em verdade vos digo: não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (v. 2). Certamente foi um choque para os ouvintes, que logo após questionam: “dize-nos: quando será isso?” (v. 3). É a partir desse ponto que Jesus passa a falar sobre os sinais de sua vinda, o que acontecerá antes e como poderá ser sentida a sua aproximação.
O sinal mais marcante enumerado pelo evangelista, a partir da profecia de Daniel, é a “abominação desoladora instalada no lugar santo” que é o Templo (v. 15). Depois de passar pelos outros diversos sinais, termina o capítulo com o convite à fidelidade e à obediência (isto é, à escuta profunda da Palavra, colocando-a em prática). Para tanto, é utilizada a figura dos dois servos (v. 45-51): o fiel, que guardou bem a casa de seu senhor e assim recebeu a administração de seus bens, e o infiel, que foi injusto, comeu e bebeu desregradamente e espancou seus companheiros. Se o primeiro conquista a bem-aventurança, para o segundo resta o “choro e ranger de dentes”.
Deixando um pouco a exegese literal do texto a respeito dos últimos dias e da vinda de Cristo, podemos nos aproximar de uma realidade de suma importância para nós cristãos que, caminhando entre as vicissitudes da existência, encontramos Nele a força e a esperança. A partir da consideração a respeito do Templo perecível em São Mateus, podemos voltar nossos olhares para o templo imperecível da Nova e Eterna Aliança: a Igreja – Corpo Místico de Cristo.
É esse o esforço empreendido pelo Pe. Júlio Maria De Lombaerde em seu texto “Os Templos Eucarísticos”, parte de seu livro “Comentário Eucarístico do Evangelho Dominical”. O ponto de partida é exatamente o templo e o anúncio de que se veria nele instalada a abominação desoladora. Dessa ótica, explanando o objeto de estudo do livro – a Eucaristia – pode-se perceber um dado importantíssimo no pensamento geral da Igreja e do Pe. Júlio Maria, seu filho fiel: a centralidade de Cristo.

O Mistério de nossos templos
Pe. Júlio inicia voltando sua atenção para os nossos templos físicos atuais. Nossas igrejas, com suas características de beleza, detalhes, arquitetura, imponência de proporção, podem despertar nas pessoas um assombro em direção a Deus. Mesmo aqueles que ainda não abraçaram a fé sentem-se tocados de um modo especial pelas nossas construções. Essa primeira admiração pode ser uma porta aberta para as verdades fundamentais da fé e para a intimidade do Senhor.
Mas, segundo ele, há nesse assombro que nos rodeia ao entrarmos numa igreja mais do que somente uma admiração estética. No interior do templo físico há algo de espiritual, de mais elevado, que não se pode explicar somente pelas aparências externas. Essa comoção que experimentamos é fruto dessa presença mística. É a presença de Jesus Sacramentado que, imediatamente ao entrarmos em sua casa, nos toca no mais profundo de nosso ser.
A partir disso conclui o Pe. Júlio Maria que a beleza e as formas do espeço físico, aliadas à presença sobrenatural de Jesus nos fazem adotar uma atitude de fé: a adoração do Divino Hóspede. Somos quase forçados a nos ajoelharmos e reconhecermos a sua presença salvadora entre nós. Ele que quis permanecer conosco todos os dias, nos alimentado ao longo da caminhada. Esta atitude da qual fala Pe. Júlio se insere na dinâmica da Liturgia: ele não a percebe como algo deslocado de seu todo, mas precisamente marca o mistério celebrado como sua fonte.
Diz o autor: “Este fenômeno, que poderíamos chamar psíquico, revela a presença de Jesus Cristo, na Eucaristia. Ele está ali presente, de dia e de noite, e do fundo de seu tabernáculo o seu olhar nos segue e penetra até o íntimo de nosso coração. A Santa Missa é a renovação de seu sacrifício no Calvário, e a Mesa Sagrada é o prolongamento da Última Ceia, onde Ele se dá em alimento a seus filhos”.
Inspirado pela passagem do Evangelho de Mateus que trata da presença da desolação no templo, vem a seguir a pergunta-chave do texto: o que aconteceria com nossas igrejas (e podemos entender aqui também uma metáfora de nossa própria vida cristã) se nos faltasse a presença eucarística de Jesus? Se não tivéssemos mais sua presença? Se a lâmpada solitária deixasse de projetar sua chama vacilante? A essas suposições, Pe. Júlio Maria responde enfático: se isso acontecesse, uma tristeza impensável atingiria a alma daquele que entrasse no templo. Seria, realmente, um sinal do fim dos tempos.
Segundo ele, “as estátuas que adornam o santuário seriam vultos misteriosos sem significação. O altar seria um trono sem rei. O tabernáculo seria uma cadeia sem prisioneiro. A Mesa da Comunhão um festim sem alimento. Os ricos adornos do templo seriam enfeites de uma casa deserta”.

Cristo, alicerce seguro
A partir dos ensinamentos do Pe. Júlio a respeito da Eucaristia e sua importância, podemos pensar essa temática fundamental: o lugar sine qua non de Jesus Cristo na Igreja. Assim como escreve nosso autor, sem a presença de Jesus tudo o mais perderia o sentido. Em tudo o que fazemos na Igreja, a meta é sempre o Cristo. Ele é o foco e a fonte inspiradora de todas as atividades eclesiais. O próprio templo físico só faz sentido por causa Dele, para quem aponta a beleza, a limpeza, a grandiosidade, o zelo, os detalhes.
Dizer isso parece a mais elementar e óbvia de todas as coisas. Mas, ao observarmos a prática, percebemos que nem todos possuem noção exata dessa centralidade do Senhor. Por um lado, temos aqueles que parecem se colocar acima do Mestre. Preferem focalizar a si próprios e, malfadadamente, não fazem suas as palavras Dele. Terminam por perverter a mensagem evangélica, mantendo o nome de Cristo apenas para manobrar os fiéis. São como os mercenários que fogem ao invés de defender o rebanho, ou como o ladrão que pula o cercado para roubar as ovelhas. De outra sorte vemos os que no afã de afirmarem a centralidade de Cristo procuram afastar todas as mediações: desde a Virgem Santíssima até os detalhes das cerimônias litúrgicas. Esquecem-se assim que o homem, ser de linguagem que é, precisa de mediações simbólicas para se comunicar com Deus.
Apresentando essa mesma verdade o Papa Pio XII, de venerável memória, relembra que a Igreja é templo santo de Deus, o edifício espiritual por Cristo construído a partir de sua vida e de sua entrega gratuita, na Cruz (Cf. Carta Encíclica Mystici Corporis [MC]). Para o pontífice, todos os fiéis formam as “pedras vivas que, colocadas sobre a pedra angular que é Cristo, formam o templo santo, muito mais sublime que qualquer templo material, isto é, a morada de Deus no Espírito” (MC, 7). Enxergando Jesus como o fundamento sobre o qual está assentada a Igreja, Pio XII chama Jesus de “sustentador” e “conservador” da Igreja (MC 51-57).
Para ele, o Cristo é sustento da Igreja, base sobre a qual está assentada. Não um fundamento qualquer, mas o próprio Deus encarnado e presente na vida da Igreja – pela qual foi capaz da entrega mais radical. A Igreja não está fundada sobre ideias ou opiniões pessoais, nem sobre revoltas, nem sobre especulações mais ou menos tendenciosas a respeito das realidades celestes. Pelo contrário, na sua raiz está a auto-comunicação de Deus. Sendo assim, toda a sua ação no fundo possui esse ponto fulcral de profunda segurança. E em todas essas ações é ainda a presença de Cristo que a mantém. Ele não é uma base estática e imóvel, mas oferece continuamente sua assistência e sua graça. É, portanto, sustentador e conservador de seu corpo místico.
Da mesma forma o tema é apresentado no Ofício Divino: “Poder, louvor, honra e glória/ ao Deus eterno e verdadeiro,/ que, em suas leis, rege e sustenta,/ governa e guia o mundo inteiro.” (Hino das Laudes, Comum dos Pastores).
Faltando Cristo, nada é possível. Nem mesmo ver. Tudo o mais se torna sombra e escuridão se falta a Luz Verdadeira de que fala São João no prólogo de seu Evangelho. É com razão, portanto, que o Concílio Vaticano II afirma que Cristo é a luz que ilumina todos os povos (Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 1). Essa luz é que deve ser apresentada para que todos alcancem, segundo o Concílio, a plena unidade. É a mesma intuição do Pe. Júlio Maria quando afirma que todos os que tomam contato com o ambiente sagrado de nossos santuários se sentem tocados pelo que há de mais profundo e espiritual.
De fato, essa fonte de luz que é Cristo aquece e ilumina toda a ação de seu Corpo Místico, do qual é a cabeça. Explicando essa metáfora, o Papa Bento XVI oferece dois significados: Cristo é, por um lado, aquele que comanda, assim como a cabeça guia o corpo. Mas é também conectado com o resto do corpo de tal forma que o anima e o levanta: Cristo não está separado de nós. “Em ambos casos, a Igreja se considera submetida a Cristo, tanto para seguir sua condução superior – os mandamentos –, como para acolher todos os fluxos vitais que d’Ele procedem. Seus mandamentos não são só palavras, mandatos, mas são forças vitais que vêm d’Ele e nos ajudam.” (Catequese na sala Paulo VI, 14 de janeiro de 2009).
E para que estejamos bem conectados a esse alicerce que é Jesus, atentos aos seus ensinamentos, torna-se essencial adquirirmos cada vez mais intimidade com Ele, especialmente pela Sagrada Comunhão. É a partir dela que giram todas as outras realidades eclesiais. Pela Eucaristia, “a união nesta vida mortal é levada ao seu auge.” (MC, 80). E enquanto procuramos estar todos reunidos nessa terra, temos como objetivo final a união permanente com Jesus, quando então Ele será tudo em todos.
A partir do capítulo 24 do Evangelho de São Mateus, ao ler o Pe. Júlio Maria, podemos pensar na universalidade da Igreja ao observamos a importância da Eucaristia para as comunidades locais. Estendendo seu pensamento à centralidade de Cristo no Mistério da Igreja, concluímos com ele que “o que faz o encanto, o atrativo, a majestade das nossas Igrejas é a presença da Eucaristia. As nossas Igrejas tem vida própria, uma vida oculta, mas uma vida irradiante que parece animar até as pedras e os vitrais. Elas tem uma alma: e esta alma é Jesus Cristo”.


Belo Horizonte, aos 23 dias de setembro do Ano da Graça de 2013, memória de São Pio de Pietrelcina.

2 comentários:

  1. Texto maravilhoso! Muito interessante essa explicação, porque é fato que sentimos o coração se encher quando adentramos a igreja, mas essa perspectiva de vida, que provém realmente do Cristo vivo dentro do templo, é difícil de explicar com palavras. E o autor desse texto o fez com muita riqueza!

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    1. Luana, que bom que gostou! De fato, o Pe. Júlio Maria tinha uma intuição bastante aguda para perceber esses detalhes da relação entre Jesus Eucarístico e as almas eucarísticas que O vão procurar!

      Volte sempre!

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