A centralidade de Cristo em Mt 24 a partir do Pe. Júlio Maria De
Lombaerde
Por Matheus R. Garbazza
O
evangelista São Mateus oferece à comunidade cristã uma preciosa preparação à
narração dos eventos máximos da Fé cristã que são a Paixão, Morte e
Ressurreição de Nosso Senhor. Trata-se do chamado “sermão escatológico”, no
qual o Divino Mestre tece algumas considerações a respeito do fim dos tempos e
do Reino dos Céus. Esta preparação, constituída pelos capítulos 24 e 25 de seu
Evangelho, termina com o convite à vigilância constante, à modo das cinco
virgens prudentes que levaram óleo de sobra e dos servos que souberam empregar
os talentos concedidos pelo seu senhor. Isso porque não nos é possível saber o
dia ou a hora da vida de Cristo e da instauração definitiva de seu Reino.
Concentremo-nos
no capítulo 24, a abertura da fala escatológica de Cristo. Logo de início,
temos Jesus e seus discípulos caminhando para fora do Templo em Jerusalém. Os
discípulos, marcados pela imponência da construção simbolicamente mais
importante do povo judeu, aproximam-se para mostrá-lo a Jesus. O Mestre reage
com uma afirmação forte e assustadora: “Não estais vendo tudo isso? Em verdade
vos digo: não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (v. 2). Certamente
foi um choque para os ouvintes, que logo após questionam: “dize-nos: quando
será isso?” (v. 3). É a partir desse ponto que Jesus passa a falar sobre os
sinais de sua vinda, o que acontecerá antes e como poderá ser sentida a sua
aproximação.
O sinal
mais marcante enumerado pelo evangelista, a partir da profecia de Daniel, é a “abominação desoladora instalada no lugar
santo” que é o Templo (v. 15). Depois de passar pelos outros diversos sinais,
termina o capítulo com o convite à fidelidade e à obediência (isto é, à escuta
profunda da Palavra, colocando-a em prática). Para tanto, é utilizada a figura
dos dois servos (v. 45-51): o fiel, que guardou bem a casa de seu senhor e
assim recebeu a administração de seus bens, e o infiel, que foi injusto, comeu
e bebeu desregradamente e espancou seus companheiros. Se o primeiro conquista a
bem-aventurança, para o segundo resta o “choro e ranger de dentes”.
Deixando
um pouco a exegese literal do texto a respeito dos últimos dias e da vinda de
Cristo, podemos nos aproximar de uma realidade de suma importância para nós
cristãos que, caminhando entre as vicissitudes da existência, encontramos Nele
a força e a esperança. A partir da consideração a respeito do Templo perecível
em São Mateus, podemos voltar nossos olhares para o templo imperecível da Nova
e Eterna Aliança: a Igreja – Corpo Místico de Cristo.
É esse o
esforço empreendido pelo Pe. Júlio Maria De Lombaerde em seu texto “Os Templos
Eucarísticos”, parte de seu livro “Comentário Eucarístico do Evangelho
Dominical”. O ponto de partida é exatamente o templo e o anúncio de que se
veria nele instalada a abominação desoladora. Dessa ótica, explanando o objeto
de estudo do livro – a Eucaristia – pode-se perceber um dado importantíssimo no
pensamento geral da Igreja e do Pe. Júlio Maria, seu filho fiel: a centralidade
de Cristo.
O Mistério de nossos templos
Pe. Júlio
inicia voltando sua atenção para os nossos templos físicos atuais. Nossas
igrejas, com suas características de beleza, detalhes, arquitetura, imponência
de proporção, podem despertar nas pessoas um assombro em direção a Deus. Mesmo
aqueles que ainda não abraçaram a fé sentem-se tocados de um modo especial
pelas nossas construções. Essa primeira admiração pode ser uma porta aberta
para as verdades fundamentais da fé e para a intimidade do Senhor.
Mas,
segundo ele, há nesse assombro que nos rodeia ao entrarmos numa igreja mais do
que somente uma admiração estética. No interior do templo físico há algo de
espiritual, de mais elevado, que não se pode explicar somente pelas aparências
externas. Essa comoção que experimentamos é fruto dessa presença mística. É a
presença de Jesus Sacramentado que, imediatamente ao entrarmos em sua casa, nos
toca no mais profundo de nosso ser.
A partir
disso conclui o Pe. Júlio Maria que a beleza e as formas do espeço físico,
aliadas à presença sobrenatural de Jesus nos fazem adotar uma atitude de fé: a
adoração do Divino Hóspede. Somos quase forçados a nos ajoelharmos e
reconhecermos a sua presença salvadora entre nós. Ele que quis permanecer
conosco todos os dias, nos alimentado ao longo da caminhada. Esta atitude da
qual fala Pe. Júlio se insere na dinâmica da Liturgia: ele não a percebe como
algo deslocado de seu todo, mas precisamente marca o mistério celebrado como
sua fonte.
Diz o
autor: “Este fenômeno, que poderíamos chamar psíquico, revela a presença de
Jesus Cristo, na Eucaristia. Ele está ali presente, de dia e de noite, e do
fundo de seu tabernáculo o seu olhar nos segue e penetra até o íntimo de nosso
coração. A Santa Missa é a renovação de seu sacrifício no Calvário, e a Mesa
Sagrada é o prolongamento da Última Ceia, onde Ele se dá em alimento a seus
filhos”.
Inspirado
pela passagem do Evangelho de Mateus que trata da presença da desolação no
templo, vem a seguir a pergunta-chave do texto: o que aconteceria com nossas
igrejas (e podemos entender aqui também uma metáfora de nossa própria vida
cristã) se nos faltasse a presença eucarística de Jesus? Se não tivéssemos mais
sua presença? Se a lâmpada solitária deixasse de projetar sua chama vacilante?
A essas suposições, Pe. Júlio Maria responde enfático: se isso acontecesse, uma
tristeza impensável atingiria a alma daquele que entrasse no templo. Seria,
realmente, um sinal do fim dos tempos.
Segundo
ele, “as estátuas que adornam o santuário seriam vultos misteriosos sem
significação. O altar seria um trono sem rei. O tabernáculo seria uma cadeia
sem prisioneiro. A Mesa da Comunhão um festim sem alimento. Os ricos adornos do
templo seriam enfeites de uma casa deserta”.
Cristo, alicerce seguro
A partir
dos ensinamentos do Pe. Júlio a respeito da Eucaristia e sua importância, podemos
pensar essa temática fundamental: o lugar sine
qua non de Jesus Cristo na Igreja. Assim como escreve nosso autor, sem a
presença de Jesus tudo o mais perderia o sentido. Em tudo o que fazemos na
Igreja, a meta é sempre o Cristo. Ele é o foco e a fonte inspiradora de todas
as atividades eclesiais. O próprio templo físico só faz sentido por causa Dele,
para quem aponta a beleza, a limpeza, a grandiosidade, o zelo, os detalhes.
Dizer isso
parece a mais elementar e óbvia de todas as coisas. Mas, ao observarmos a
prática, percebemos que nem todos possuem noção exata dessa centralidade do
Senhor. Por um lado, temos aqueles que parecem se colocar acima do Mestre.
Preferem focalizar a si próprios e, malfadadamente, não fazem suas as palavras
Dele. Terminam por perverter a mensagem evangélica, mantendo o nome de Cristo
apenas para manobrar os fiéis. São como os mercenários que fogem ao invés de
defender o rebanho, ou como o ladrão que pula o cercado para roubar as ovelhas.
De outra sorte vemos os que no afã de afirmarem a centralidade de Cristo
procuram afastar todas as mediações: desde a Virgem Santíssima até os detalhes
das cerimônias litúrgicas. Esquecem-se assim que o homem, ser de linguagem que
é, precisa de mediações simbólicas para se comunicar com Deus.
Apresentando
essa mesma verdade o Papa Pio XII, de venerável memória, relembra que a Igreja
é templo santo de Deus, o edifício espiritual por Cristo construído a partir de
sua vida e de sua entrega gratuita, na Cruz (Cf. Carta Encíclica Mystici Corporis [MC]). Para o
pontífice, todos os fiéis formam as “pedras vivas que, colocadas sobre a pedra
angular que é Cristo, formam o templo santo, muito mais sublime que qualquer
templo material, isto é, a morada de Deus no Espírito” (MC, 7). Enxergando
Jesus como o fundamento sobre o qual está assentada a Igreja, Pio XII chama
Jesus de “sustentador” e “conservador” da Igreja (MC 51-57).
Para ele,
o Cristo é sustento da Igreja, base sobre a qual está assentada. Não um
fundamento qualquer, mas o próprio Deus encarnado e presente na vida da Igreja –
pela qual foi capaz da entrega mais radical. A Igreja não está fundada sobre
ideias ou opiniões pessoais, nem sobre revoltas, nem sobre especulações mais ou
menos tendenciosas a respeito das realidades celestes. Pelo contrário, na sua
raiz está a auto-comunicação de Deus. Sendo assim, toda a sua ação no fundo
possui esse ponto fulcral de profunda segurança. E em todas essas ações é ainda
a presença de Cristo que a mantém. Ele não é uma base estática e imóvel, mas
oferece continuamente sua assistência e sua graça. É, portanto, sustentador e
conservador de seu corpo místico.
Da mesma
forma o tema é apresentado no Ofício Divino: “Poder, louvor, honra e glória/ ao
Deus eterno e verdadeiro,/ que, em suas leis, rege e sustenta,/ governa e guia
o mundo inteiro.” (Hino das Laudes, Comum dos Pastores).
Faltando
Cristo, nada é possível. Nem mesmo ver. Tudo o mais se torna sombra e escuridão
se falta a Luz Verdadeira de que fala São João no prólogo de seu Evangelho. É
com razão, portanto, que o Concílio Vaticano II afirma que Cristo é a luz que
ilumina todos os povos (Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 1). Essa luz é que deve ser apresentada para que
todos alcancem, segundo o Concílio, a plena unidade. É a mesma intuição do Pe.
Júlio Maria quando afirma que todos os que tomam contato com o ambiente sagrado
de nossos santuários se sentem tocados pelo que há de mais profundo e
espiritual.
De fato,
essa fonte de luz que é Cristo aquece e ilumina toda a ação de seu Corpo
Místico, do qual é a cabeça. Explicando essa metáfora, o Papa Bento XVI oferece
dois significados: Cristo é, por um lado, aquele que comanda, assim como a
cabeça guia o corpo. Mas é também conectado com o resto do corpo de tal forma
que o anima e o levanta: Cristo não está separado de nós. “Em ambos casos, a
Igreja se considera submetida a Cristo, tanto para seguir sua condução superior
– os mandamentos –, como para acolher todos os fluxos vitais que d’Ele
procedem. Seus mandamentos não são só palavras, mandatos, mas são forças vitais
que vêm d’Ele e nos ajudam.” (Catequese na sala Paulo VI, 14 de janeiro de 2009).
E para que
estejamos bem conectados a esse alicerce que é Jesus, atentos aos seus
ensinamentos, torna-se essencial adquirirmos cada vez mais intimidade com Ele,
especialmente pela Sagrada Comunhão. É a partir dela que giram todas as outras
realidades eclesiais. Pela Eucaristia, “a união nesta vida mortal é levada ao
seu auge.” (MC, 80). E enquanto procuramos estar todos reunidos nessa terra,
temos como objetivo final a união permanente com Jesus, quando então Ele será
tudo em todos.
A partir
do capítulo 24 do Evangelho de São Mateus, ao ler o Pe. Júlio Maria, podemos
pensar na universalidade da Igreja ao observamos a importância da Eucaristia
para as comunidades locais. Estendendo seu pensamento à centralidade de Cristo
no Mistério da Igreja, concluímos com ele que “o que faz o encanto, o atrativo,
a majestade das nossas Igrejas é a presença da Eucaristia. As nossas Igrejas
tem vida própria, uma vida oculta, mas uma vida irradiante que parece animar
até as pedras e os vitrais. Elas tem uma alma: e esta alma é Jesus Cristo”.
Belo Horizonte, aos 23 dias de setembro do Ano da Graça de 2013,
memória de São Pio de Pietrelcina.
Texto maravilhoso! Muito interessante essa explicação, porque é fato que sentimos o coração se encher quando adentramos a igreja, mas essa perspectiva de vida, que provém realmente do Cristo vivo dentro do templo, é difícil de explicar com palavras. E o autor desse texto o fez com muita riqueza!
ResponderExcluirLuana, que bom que gostou! De fato, o Pe. Júlio Maria tinha uma intuição bastante aguda para perceber esses detalhes da relação entre Jesus Eucarístico e as almas eucarísticas que O vão procurar!
ExcluirVolte sempre!