Pe. Júlio Maria De Lombaerde
I - O IDEAL
A verdadeira beleza reside na
alma. Só e isolada da beleza interior, a beleza visível é excessivamente vã,
frágil e mesmo perigosa, desde o pecado, para ser digna de atrair os olhos
criados para contemplar a Deus.
Há coisa melhor que a beleza
física do semblante, pois há uma beleza moral, um esplendor das almas. Desde
que o pecado perverteu o gosto do homem - ó coisa lamentável! - a beleza
unicamente exterior não é mais que um atrativo da volúpia e uma fonte de
desordens.
O mundo não sabe mais elevar-se
acima do que o adula, para se elevar até ao Autor de toda beleza, e é nisto que
consiste a sua miséria, sua dolorosa degeneração.
É por isso que se deviam antepor
aos seus olhos, mais vezes e com mais instância, visões feitas de luz, de
heroísmo e de pureza.
Da visão ao amor há apenas um
passo, e o amor dirigido para o ideal divino, para a beleza moral, é o começo
da regeneração e da santidade. O ideal da beleza absoluta só existe em Deus,
pois só nEle se encontram, em todo o Seu esplendor, o "Verdadeiro" e
"Bom", que, sem ser a essência do "Belo", são, entretanto,
duas partes constitutivas, de tal modo que sem "Verdade" e sem
"Bondade" a beleza não pode existir.
Difícil seria dizer precisamente
em que consiste a beleza.
É uma certa relação, uma graça,
uma harmonia de natureza, um não sei que, que todo mundo conhece e que se não
pode ver sem amar.
O céu é a pátria do
"Belo". - É sua morada, e aí pode o homem contemplá-lO a
descoberto... ofuscar-se à Sua visão... lançar-se nEle... e dEle viver!...
Aqui na terra não possuímos mais
que uma débil irradiação desta inefável beleza nas criaturas. Mas Deus não se
contentou com isso. Querendo fazer-nos entrever este Belo infinito e essencial,
que a alma nem sequer tinha suspeitado, abriu-se o céu por um instante para
encantar o mundo com o seu ideal.
E era esta manifestação divina
que fazia brotar do peito do imortal gênio de Hipona, Santo Agostinho, este
brado de saudade e de deslumbramento: "Ó beleza sempre antiga e sempre
nova, quão tarde eu te conheci, quão tarde eu te amei!"
"O belo essencial, disse
Lamennais, é Cristo, em quem o ideal existe em seu mais alto grau. O Criador e
a criação nEle são ao mesmo tempo distintos e inseparáveis - Aquele incorporado
em Sua obra, esta espiritualizada em seu exemplar eterno. É o Belo completo, o
Belo em suas relações com o Verdadeiro e com o Bom". (Esboço duma
filosofia, III, p. 130)
Daí provém os dois caracteres
distintos do Belo, cuja idéia não era conhecida pela antiguidade: - o infinito
e o amor.
O Cristo é o infinito em
perfeição. - Ele é o amor. É Deus sensível ao coração... - Deus amado como
Homem, com o infinito de Deus. Mas como desceu esta beleza infinita até nós?
- É a grande pergunta que se deve
fazer depois de cada um dos mistérios com que aprouve ao céu cercar-nos.
Como?... - Por Maria: - "Mariae de quanatus est Christus".
Este belo é uma flor, e Maria é a
sua haste! É Ela que O recebeu, tal qual Ele é em si mesmo, nesta beleza
essencial e incriada que extasia os anjos e o próprio Deus, que reluz através
de todas as maravilhas da natureza.
Maria tornou-se, como diz São
Tomás, "A arca do Ideal!"
Por isso mesmo, dia o autor da
"Virgem Maria", Maria é a obra prima deste Belo que se reproduziu
nEla. Porque como Ele veio para se reproduzir nas almas, pela virtude
sobrenatural de Sua graça, inerente à Sua encarnação, a primeira alma que Ele
havia embelezado é a da Virgem, em que Ele se fez carne.
Eis por que, antes mesmo de
descer nEla, preveniu-A com Suas graças, preservou-A com a arte de um Deus e
todo o amor de um Filho, como o Seu tabernáculo, com a substância de que Ele
mesmo queria ser feito.
Ela era desde então "cheia
de graça".
E qual não devia ser Sua beleza,
para que a natureza angélica se inclinasse diante dEla, e que o próprio Deus,
na admiração de Sua obra, exclamasse, à Sua vista:
"Tota pulchra es, amica mea,
et macula non est in te!" - Sois toda bela, ó minha amiga, e mácula alguma
há em Vós!"
Já que chamamos Maria de
"Santidade criada", podemos também chamá-lA, a beleza criada, isto é,
a beleza por excelência entre todas as belezas criadas, desde a flor dos campos
até ao serafim, não sendo sobrepujada senão pelo belo infinito e criador, que
foi aqui na terra o fruto da virgindade, e que, saindo dEla, deixou-Lhe Sua
forma de todas as belezas que Ele semeou em todo o universo.
Mas em que consistia esta beleza
de Maria?...
"Consistia, diz o P. Binet,
numa espécie de combate da natureza e da graça que entre si rivalizaram em
enriquecê-lA e orná-lA de seus mais belos adornos".
"Afirmamos audaciosamente,
diz Santo Alberto Magno, que a Virgem ultrapassou em graça e em beleza a todas
as mulheres, pois possuiu em supremo grau a perfeição de que foi capaz um corpo
mortal e que a natureza nada podia fazer de mais excelente".(Quaest. sup.
missus est, 15, 3)
"Convinha, e este é o
pensamento de Dionísio o Cartucho, que o Filho de Deus e a Mãe de Deus fossem
dotados, no mais eminente grau, de todas as perfeições da natureza e da graça:
- o Filho, por causa de Sua união hipostática à divindade; a Mãe, por causa da
união com Deus, a mais estreita depois da que é própria ao Seu divino
Filho". (De laud. excell.
B. Virg., T. I, lib. 6, C. 9, n.18)
A beleza exerce sobre os homens
um império soberano. Longe, aqui, as belezas profanas! Trata-se da beleza da
alma, cujo irradiamento sobre uma fronte humana desanima o artista, maravilha
os próprios anjos.
Maria é a criatura que mais se
aproxima da beleza de Deus e que dEle trouxe o reflexo mais puro. Convinha que
a Mãe do nosso Pontífice fosse como Ele "santa, inocente, imaculada,
separada dos pecadores e mais elevada que os céus".
Era necessário ao novo Adão, como
o fora ao primeiro, "uma auxiliar semelhante a si mesmo". Era
necessária a plenitude de vida, de vida natural e de vida sobrenatural; era
necessária a beleza encantadora! Como outrora, após Jesus, "todo mundo vai
após Ela".
Beleza radiante! - Ela embeleza a
religião e a Igreja.
No Credo Seu nome esparge como
que um sorriso sobre os demais dogmas.
Seu exemplo, Sua ação nas almas
faz florescer na Igreja as mais belas e heróicas virtudes.
Sem Ela a Igreja seria "como
um ano sem o mês de maio".
É da alma, sobretudo, que vem a
beleza. E é a graça que dá à alma seu aparato e seu brilho, de tal modo que as
almas mais favorecidas da graça divina são, por isso mesmo, as mais belas.
Sigamos um instante esta
maravilha da graça em Sua Conceição e em Seu contínuo crescimento - crescimento
da graça, da glória e das virtudes.
Tantos abismos insondáveis, sem
dúvida, mas cuja vista, não poderá senão deslumbrar nossos corações.
Ó Maria, aqui na terra o homem
vai empós da beleza, para dar-lhe seu coração e suas afeições, deixa-se ofuscar
por um pequeno raio, por uma sombra que passa! Por que não se apegaria ele ao
contemplar-Vos... como o seu coração se dilataria a este espetáculo, como se
encheria deste amor puro, ardente, forte como a morte, que Vossa beleza faz
nascer em todos aqueles que A contemplam!...
Porque Amo Maria? Ed. Paulinas,
1960 - págs 337-341.
Nenhum comentário:
Postar um comentário