quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Beleza de Maria [I]

Pe. Júlio Maria De Lombaerde

I - O IDEAL

A verdadeira beleza reside na alma. Só e isolada da beleza interior, a beleza visível é excessivamente vã, frágil e mesmo perigosa, desde o pecado, para ser digna de atrair os olhos criados para contemplar a Deus.

Há coisa melhor que a beleza física do semblante, pois há uma beleza moral, um esplendor das almas. Desde que o pecado perverteu o gosto do homem - ó coisa lamentável! - a beleza unicamente exterior não é mais que um atrativo da volúpia e uma fonte de desordens.

O mundo não sabe mais elevar-se acima do que o adula, para se elevar até ao Autor de toda beleza, e é nisto que consiste a sua miséria, sua dolorosa degeneração.

É por isso que se deviam antepor aos seus olhos, mais vezes e com mais instância, visões feitas de luz, de heroísmo e de pureza.

Da visão ao amor há apenas um passo, e o amor dirigido para o ideal divino, para a beleza moral, é o começo da regeneração e da santidade. O ideal da beleza absoluta só existe em Deus, pois só nEle se encontram, em todo o Seu esplendor, o "Verdadeiro" e "Bom", que, sem ser a essência do "Belo", são, entretanto, duas partes constitutivas, de tal modo que sem "Verdade" e sem "Bondade" a beleza não pode existir.

Difícil seria dizer precisamente em que consiste a beleza.

É uma certa relação, uma graça, uma harmonia de natureza, um não sei que, que todo mundo conhece e que se não pode ver sem amar.

O céu é a pátria do "Belo". - É sua morada, e aí pode o homem contemplá-lO a descoberto... ofuscar-se à Sua visão... lançar-se nEle... e dEle viver!...

Aqui na terra não possuímos mais que uma débil irradiação desta inefável beleza nas criaturas. Mas Deus não se contentou com isso. Querendo fazer-nos entrever este Belo infinito e essencial, que a alma nem sequer tinha suspeitado, abriu-se o céu por um instante para encantar o mundo com o seu ideal.

E era esta manifestação divina que fazia brotar do peito do imortal gênio de Hipona, Santo Agostinho, este brado de saudade e de deslumbramento: "Ó beleza sempre antiga e sempre nova, quão tarde eu te conheci, quão tarde eu te amei!"

"O belo essencial, disse Lamennais, é Cristo, em quem o ideal existe em seu mais alto grau. O Criador e a criação nEle são ao mesmo tempo distintos e inseparáveis - Aquele incorporado em Sua obra, esta espiritualizada em seu exemplar eterno. É o Belo completo, o Belo em suas relações com o Verdadeiro e com o Bom". (Esboço duma filosofia, III, p. 130)

Daí provém os dois caracteres distintos do Belo, cuja idéia não era conhecida pela antiguidade: - o infinito e o amor.

O Cristo é o infinito em perfeição. - Ele é o amor. É Deus sensível ao coração... - Deus amado como Homem, com o infinito de Deus. Mas como desceu esta beleza infinita até nós?

- É a grande pergunta que se deve fazer depois de cada um dos mistérios com que aprouve ao céu cercar-nos. Como?... - Por Maria: - "Mariae de quanatus est Christus".

Este belo é uma flor, e Maria é a sua haste! É Ela que O recebeu, tal qual Ele é em si mesmo, nesta beleza essencial e incriada que extasia os anjos e o próprio Deus, que reluz através de todas as maravilhas da natureza.

Maria tornou-se, como diz São Tomás, "A arca do Ideal!"

Por isso mesmo, dia o autor da "Virgem Maria", Maria é a obra prima deste Belo que se reproduziu nEla. Porque como Ele veio para se reproduzir nas almas, pela virtude sobrenatural de Sua graça, inerente à Sua encarnação, a primeira alma que Ele havia embelezado é a da Virgem, em que Ele se fez carne.

Eis por que, antes mesmo de descer nEla, preveniu-A com Suas graças, preservou-A com a arte de um Deus e todo o amor de um Filho, como o Seu tabernáculo, com a substância de que Ele mesmo queria ser feito.

Ela era desde então "cheia de graça".

E qual não devia ser Sua beleza, para que a natureza angélica se inclinasse diante dEla, e que o próprio Deus, na admiração de Sua obra, exclamasse, à Sua vista:

"Tota pulchra es, amica mea, et macula non est in te!" - Sois toda bela, ó minha amiga, e mácula alguma há em Vós!"

Já que chamamos Maria de "Santidade criada", podemos também chamá-lA, a beleza criada, isto é, a beleza por excelência entre todas as belezas criadas, desde a flor dos campos até ao serafim, não sendo sobrepujada senão pelo belo infinito e criador, que foi aqui na terra o fruto da virgindade, e que, saindo dEla, deixou-Lhe Sua forma de todas as belezas que Ele semeou em todo o universo.

Mas em que consistia esta beleza de Maria?...

"Consistia, diz o P. Binet, numa espécie de combate da natureza e da graça que entre si rivalizaram em enriquecê-lA e orná-lA de seus mais belos adornos".

"Afirmamos audaciosamente, diz Santo Alberto Magno, que a Virgem ultrapassou em graça e em beleza a todas as mulheres, pois possuiu em supremo grau a perfeição de que foi capaz um corpo mortal e que a natureza nada podia fazer de mais excelente".(Quaest. sup. missus est, 15, 3)

"Convinha, e este é o pensamento de Dionísio o Cartucho, que o Filho de Deus e a Mãe de Deus fossem dotados, no mais eminente grau, de todas as perfeições da natureza e da graça: - o Filho, por causa de Sua união hipostática à divindade; a Mãe, por causa da união com Deus, a mais estreita depois da que é própria ao Seu divino Filho". (De laud. excell. B. Virg., T. I, lib. 6, C. 9, n.18)

A beleza exerce sobre os homens um império soberano. Longe, aqui, as belezas profanas! Trata-se da beleza da alma, cujo irradiamento sobre uma fronte humana desanima o artista, maravilha os próprios anjos.

Maria é a criatura que mais se aproxima da beleza de Deus e que dEle trouxe o reflexo mais puro. Convinha que a Mãe do nosso Pontífice fosse como Ele "santa, inocente, imaculada, separada dos pecadores e mais elevada que os céus".

Era necessário ao novo Adão, como o fora ao primeiro, "uma auxiliar semelhante a si mesmo". Era necessária a plenitude de vida, de vida natural e de vida sobrenatural; era necessária a beleza encantadora! Como outrora, após Jesus, "todo mundo vai após Ela".

Beleza radiante! - Ela embeleza a religião e a Igreja.

No Credo Seu nome esparge como que um sorriso sobre os demais dogmas.

Seu exemplo, Sua ação nas almas faz florescer na Igreja as mais belas e heróicas virtudes.

Sem Ela a Igreja seria "como um ano sem o mês de maio".

É da alma, sobretudo, que vem a beleza. E é a graça que dá à alma seu aparato e seu brilho, de tal modo que as almas mais favorecidas da graça divina são, por isso mesmo, as mais belas.

Sigamos um instante esta maravilha da graça em Sua Conceição e em Seu contínuo crescimento - crescimento da graça, da glória e das virtudes.

Tantos abismos insondáveis, sem dúvida, mas cuja vista, não poderá senão deslumbrar nossos corações.

Ó Maria, aqui na terra o homem vai empós da beleza, para dar-lhe seu coração e suas afeições, deixa-se ofuscar por um pequeno raio, por uma sombra que passa! Por que não se apegaria ele ao contemplar-Vos... como o seu coração se dilataria a este espetáculo, como se encheria deste amor puro, ardente, forte como a morte, que Vossa beleza faz nascer em todos aqueles que A contemplam!...


Porque Amo Maria? Ed. Paulinas, 1960 - págs 337-341.

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