V. Comparação entre os métodos
As idéias de Santa Teresinha e de Santa Margarida Maria concretizam-se admiravelmente na Santa Escravidão, ensinada por Montfort.
Já dissemos, precedentemente, que estes santos têm a mesma concepção da vida de intimidade com Jesus e Maria.
A união amorosa e a dependência ou infância espiritual reunem-se e formam o abandono total ou Santa Escravidão. Este novo modo de dizer significa algo de mais humilde ainda que a expressão de Santa Teresinha e Santa Margarida Maria.
Há, de fato, duas criaturas neste mundo que vivem sob o poder de outrem: a criança e o escravo.
A criança nada pode. Tudo recebe dos pais. É a impotência radical.
O escravo não se pertence. É um bem do senhor que o possui.
Santa Teresinha queria ser pequenina, como uma criancinha, para atrair o olhar de Jesus. Santa Margarida queria ser pequenina, para poder perder-se no Coração amoroso de Jesus. Montfort queria ser pequeno, como um escravo, para ser propriedade de Jesus.
Todos três querem pertencer a Jesus, unir-se a Ele, viver d’Ele e n’Ele; e, para se elevarem, ou, melhor, serem elevados a estas alturas, procuram abaixar-se, humilhar-se, ser um nada, um pequeno escravo de amor!
Na base, estão de acordo os três. Somente escolheu cada um, para exprimir a mesma verdade, o termo próprio, que combina melhor com seu espírito e com a graça particular recebida de Deus.
Santa Teresinha é a meiguice da criança, Santa Margarida Maria é a chama da estática. São Luís Maria de Montfort é o zelo do conquistador.
O primeiro caminho é a infância espiritual de Santa Teresinha.
O segundo, é a imolação amorosa de Santa Margarida.
O terceiro, é o zelo apostólico de Montfort.
São três chamas, proveniente de um único amor – o amor de Jesus considerado como Pai, como Rei, como Senhor.
Aqui a espiritualidade de Montfort toma a sua feição particular, o seu cunho próprio, a sua base mariana. Santa Teresinha é apóstola da bondade de Jesus; Santa Margarida é apóstola do Sagrado Coração de Jesus; Montfort é apóstolo de Maria Santíssima.
Do lado doutrinal, os três ensinam a mesma doutrina da humildade.
Do lado devocional, eles se dividem: Santa Teresinha preconiza o seu caminho da santa infância e a devoção ao Menino Jesus, ao passo que Santa Margarida penetra no Coração de Jesus, e dedica-se a esta devoção consoladora; Montfort nos revela o seu segredo da Verdadeira Devoção, e concentra-se sobre a devoção a Maria Santíssima como Rainha dos corações.
Para Montfort a virtude básica é também a humildade, expressa pelo termo escravo. A devoção é à Virgem Santa, como Soberana dos corações. E o fim de tudo é Jesus Cristo; donde as expressões empregadas indiferentemente pelo Santo: escravidão de Jesus em Maria e escravidão de Maria em Jesus.
VI. O Segredo de Maria
Montfort apresenta a Santa Escravidão como um segredo. Esta palavra excita curiosidade. E não há leitor do livro da Verdadeira Devoção que não o procure logo descobrir.
O segredo, porém, não consiste na teoria, e sim na prática desta devoção.
A prática consiste em entregar-se inteiramente, na qualidade de escravo a Maria e, por Ela, a Jesus, e em procurar fazer todas a ações com Maria, em Maria, por Maria e, para Maria, no intuito de faze-las mais perfeitamente com Jesus, em Jesus, por Jesus e para Jesus.
Compôs o santo uma fórmula de Consagração. É a parte exterior.
A parte interior não é mais que a aplicação constante a viver como um escravo, dependente em tudo da vontade de Maria Santíssima.
O segredo está, pois, nesta nossa dependência amorosa, filial e humilde da Virgem Santíssima.
É uma espécie de presença de Maria, semelhante à presença de Deus.
Tal presença não é esforço de imaginação ou de vontade, mas, sim, uma certa atenção de espírito em procurar ocasiões de fazer algum sacrifício por amor da Santíssima Virgem.
É, por outra, vivermos espreitando as ocasiões favoráveis de praticar a virtude.
Tal disposição nos conserva num estado de dependência total, num abandono completo à vontade de Maria. E, destarte, tudo aceitamos d’Ela, para Ela nos volvemos constantemente para vermos sua mão em tudo, e procurando em tudo, conformar-nos a seu alvitre.
É aqui que está o segredo.
Consagrar-se à Virgem Santa como escravo é um ato passageiro que qualquer um pode fazer. E, de fato, muitos o fazem, sem depois aplicar-se a viver esta Consagração.
Viver esta Consagração – este é o segredo. E a medida que tal vida se desenvolver em nós, o segredo descobrir-se-á mais e mais, até que o possuamos completamente.
Deste modo, a Santa Escravidão de Montfort não é simplesmente uma devoção; é mais que isso: um método eficaz de santificação.
A devoção é por muitos conhecida e praticada. O método de santificação porém o é muito pouco. Entretanto, os dois devem dar-se as mãos, devem ser ambos praticados para produzir o que devem – a santidade, como teremos ocasião de averiguar mais adiante.
VII. A Devoção mais Perfeita
Qual é a devoção mais perfeita, ou o método mais prático dos três acima citados?
A resposta é difícil, porque a superioridade de um método, duma devoção, não é somente objetiva, mas, também subjetiva, isto é, não depende só do valor intrínseco da devoção, mas também da disposição pessoal de quem pretende adotá-la.
Pode-se pôr um princípio, nesta maioria; é o seguinte: que uma devoção é também mais perfeita, quanto mais intimamente nos une a Jesus Cristo.
Ter uma confiança ilimitada em Nossa Senhora, dar-se a ela, numa expansão de amor ardente, como Santa Teresinha, é sublime, é divinamente belo...
Penetrar no Coração de Jesus, e ali consumir-se nas chamas de seu imenso amor, como Santa Margarida Maria, é docemente extático...
Mas, entregar-se nas mãos de Jesus e Maria, como escravo, não simplesmente para amar e ser amado, mas para trabalhar, lutar e sofrer para Aquele e Aquela que amamos, como ensina Montfort, – eis o que é simplesmente heróico! É imitar o divino Salvador, que por amor de nós se entregou a si mesmo como oblação.
Para bem acentuar esta dependência total, que constitui o espírito de sua devoção, São Luís Grignion de Montfort faz distinção entre escravo e servo.
Um servo ou criado dá apenas uma parte de seu tempo e de seu trabalho, recebendo em retribuição um salário combinado, que lhe é devido em justiça. O escravo, porém, vive e trabalha para o senhor sem ter direito a remuneração alguma. Sua dependência é absoluta, para sempre, sem direitos nem concessões, a não ser no que espontaneamente lhe é permitido pelo amo.
É a imitação de Jesus Cristo, de quem São Paulo disse: “Aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de um escravo”.
Sob este ponto de vista, podemos pois dizer, que a santa esravidão encerra tudo o que as outras devoções têm de mais elevado. E, como é impossível alguém rebaixar-se mais do que se tornando escravo, é também impossível que se eleve mais alto na generosidade para com Deus, consoante a palavra do divino Mestre: “Aquele que se humilhar será exaltado” – Lc 4, 11.
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