[UPDATE:] Favor conferir a ERRATA!
As iniqüidades do mundo inteiro,
como rios transbordados, precipitaram-se no mar do Meu coração.
O ideal do Amor, enfim, contente,
repleto de venturas, satisfeito, eis a Agonia no Jardim: o primeiro, o maior e
o mais misterioso dos episódios da Paixão.
O altar do Seminário Apostólico N. Sra. do SSmo. Sacramento, em Manhumirim-MG, preparado para a Quaresma |
O primeiro, porque na ordem do
tempo, de modo exterior e visível, ele a começa; o maior, porque ele reitera
todas as imolações do Homem-Deus, desde o primeiro vagido do Presépio até ao
derradeiro gemido do Calvário; o mais misterioso, não só porque ele antecipa
todos os sofrimentos corporais da vítima, mas também porque, onde os olhos da
carne não vêem mais que uma luta, um combate, uma agonia, os olhos iluminados
da fé contemplam a suprema ventura do Amor.
Eu vos disse anteriormente que,
obra de Deus, a Cruz é a obra prima da alegria.
Obra de Deus neste sentido:
conquanto os opróbrios, as ignomínias, os sofrimentos todos de Jesus Cristo
fossem resultado da perversidade judaica, verdadeiros pecados do povo deicida,
o Filho de Deus ab-oeterno aceitou-os, ab-oeterno resolveu tirar da iniqüidade
a Sua glória, convertendo em instrumentos de Seu triunfo as humilhações da Sua
Paixão.
Foi voluntariamente que Jesus
Cristo Se sacrificou: oblatus est quia
ipse voluit.
Sob este ponto de vista,
portanto, a Cruz é obra de Deus, e obra prima da Alegria, porque Deus é uma
imensa alegria, que se comunica a todas as Suas criações, e, pois comunicou-Se
também à humanidade santa do Verbo, perfeitamente feliz e bem-aventurado em
todos os instantes da Sua existência terrestre.
A Agonia no Jardim não foi por
isso, apesar de todos os sofrimentos, menor que a suprema ventura do Amor.
O Amor! Ele é a seiva do
universo; a energia atrativa de toda a criação; circula no ramo vive na flor,
no pássaro, no inseto; produz e perpetua a vida.
Diz um antigo hino grego: “O
Eterno disse ao Amor: que tudo se organize; e tudo se organizou!”
Se no mundo físico o amor é o
pólo da criação; no mundo moral é a alma do gozo, a vida da alegria. Sem
dúvida, na sua verdade e pureza, o amor é raro, como é raro o gênio, raro o
heroísmo, rara a formosura, raro tudo que se aproxima da perfeição. Ainda
assim, na vida ele é para nós o tipo supremo da felicidade.
Falando do espírito das trevas,
dizia a maior contemplativa do nosso tempo, Teresa de Jesus: “desgraçado! Ele
não ama!” Eis como que o sinete da desgraça: - não amar.
Não há no céu, nem na terra, diz
o livro da Imitação, coisa mais doce, mais forte, mais sublime, mais ampla,
mais deliciosa, mais completa nem melhor que o Amor.
Esse amor de que nos fala o
sublime poema monástico nasceu de Deus e não pode, como o mesmo poema
acrescenta, descansar senão em Deus, elevando-se acima de todas as criaturas.
Não obstante, quaisquer que sejam
as vicissitudes e imperfeições da humanidade, são muitas na terra as venturas
do amor satisfeito: impossível seria o enumerá-las.
Vede: gozar, possuir uma alma,
mesmo na ordem da natureza; mas é sublime! O que será possuí-la na ordem
sacramental, divina?! Perguntai-o a ardente felicidade do coração juvenil,
recebendo junto ao altar, das próprias mãos de Deus, um coração que para todo o
sempre se engasta no seu!
Apertar em seus braços, revestido
de sua carne, palpitante de seu sangue, o primeiro fruto de suas entranhas: que
ventura! Perguntai-o a mãe fascinada pelos encantos do seu recém-nascido.
Imortalizar na ciência, na arte,
na poesia ou na religião – uma idéia que aprendeu a verdade, um pensamento que
atingiu o belo, uma inspiração que traduziu o amor, uma palavra que revelou
Deus: que inefável ventura! Perguntai-o ao sábio, ao artista, ao poeta, ao
apóstolo. Libertar uma raça, regenerar um povo, reconstruir uma pátria: que
ventura tão grande! Perguntai-o ao filósofo, ao estadista, ao guerreiro.
Pois bem: a alegria de todas as
almas humanas, o prazer de todos os corações satisfeitos, a delícia de todos os
amores: amor maternal, amor conjugal, amor fraternal, amor da pátria ou da
humanidade; todas as venturas do gozo mais requintado: - o das lágrimas que os
Santos derramaram nos seus delíquios, o da pureza que as virgens sentiram no
seu corpo imaculado, o do sangue que os mártires derramaram em testemunho da
verdade, - todas as venturas do coração humano reunidas são infinitamente
menores que a ventura de Nosso Senhor na agonia do Jardim.
É aqui, na verdade, que Ele
exteriormente, com inflamada caridade e intrépido valor, dá começo à Sua
Paixão. É aqui que a parte inferior da Sua natureza parece inválida por
indizível tristeza; e os açoites, os opróbrios, as bofetadas, as zombarias, as
blasfêmias, a morte de Cruz – tudo isso que Lhe iam dar os Judeus com tanta
vivacidade o penetra que Ele já suporta
todos esses males, e geme, e treme, e perde as cores e as forças, e como que se
Lhes esgota a vida.
Ei-lO prostrado, com a face em
terra, em agonia!
Trinta e três anos passaram sobre
a Sua cabeça. É agora um homem em toda a força da idade.
Muitas vezes mostrou-Se fatigado.
Fatigado quando, junto ao poço de Jacob, pedia à Samaritana um pouco dessa
água, que Ele próprio criou.
Fatigado quando, nos dias do Seu
penoso ministério público, refugiava-Se entre os rochedos.
Nunca, porém, tão fatigado como
agora em que uma santa impaciência O domina: a de não poder esperar algumas
horas o Seu desejado sacrifício.
Dentro de poucas horas, Ele será
batido, flagelado, coberto de ignomínias, crucificado; o Seu sangue será
derramado como água.
Ele, portanto, crucifica-Se a Si
próprio, num martírio mais misterioso que o do Calvário. Antecipa a Sua Paixão.
Reveste-Se de todos os pecados tão numerosos, variados e enormes de todos os
homens. Cobre-se deste medonho vestuário que O inflama e queima como uma túnica
de fogo.
Treme, todo penetrado do mais
horrível dos terrores.
Todos os crimes do espírito;
todos os crimes do coração; todos os crimes dos sentidos; todas as loucuras do
mundo; todas as orgias da humanidade; o orgulho de todas as inteligências; a
luxúria de todas as imaginações; todas as aberrações da ciência; todas as
profanações da arte; todos os adultérios da poesia; todos os sacrilégios de
todas as religiões, a ambição dos despostas; a tirania dos governos; os
atentados da política; as iniqüidades da justiça; os abusos da filosofia; as
violações da Moral; todos os escândalos do mundo; as abominações de Sodoma e
Gomorra; as prostituições de Babilônia; as bacanais da Grécia; a ambição, a
loucura, as crueldades de Roma; a idolatria de todos os povos pagãos; as
perversidades da nação judaica; as iniqüidades de todos os povos modernos; as
perfídias de todas as monarquias; as mentiras de todas as repúblicas; a
hipocrisia das democracias; as imposturas da liberdade – todo este peso enorme
oprime a cabeça de Jesus Cristo na Agonia do Jardim, enche de confusão a Sua
alma e de amarguras o Seu coração!
É assim, desfigurado, que a
Justiça Eterna O contempla, como Holocausto vivo que se Lhe oferece pelos
crimes de todas as pátrias, também da nossa: - de todos os pecados privados de
públicos do Brasil, das iniqüidades de seus magistrados, do ateísmo político de
seus estadistas, das apostasias de seus governos, do paganismo das suas
escolas, da irreligião prática de seus lares, da impiedade dos seus
parlamentares, do ceticismo de seus jornais, da ignorância religiosa dos seus
mestres, da apatia e dos sacrilégios dos seus padres, do seu repúdio oficial da
fé católica; de todas as loucuras do espírito revolucionário que invadiu as
plagas de Santa Cruz e não deixou entre a monarquia e a república solução de
continuidade!...
Onde, me perguntareis agora, numa
agonia tão grande que não há, para exprimi-la, nas línguas humanas, termos nem
frases; onde ver a ventura de Jesus Cristo?! Por todos os poros de Sua carne
desfiam gotas de sangue que inundam a Sua fronte, banham as Suas faces, molham
os Seus cabelos, cobrem os Seus olhos, enchem a Sua boca, maculam as Suas
barbas, tingem o Seu vestuário, e avermelham mesmo as oliveiras do Jardim!
Que agonia dolorosa e profunda!
Que sofrimento inaudito!
(A Paixão, pelo Padre Júlio Maria, Cruzada da Boa Imprensa - Rio, ano de 1937)
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