Por Dom Antônio Affonso de Miranda, sdn
Bispo emérito de Taubaté
Ele tinha o olhar flamejante e firme
Dom Antônio Affonso de Miranda, sdn Bispo Emérito de Taubaté-SP |
Conheci o Pe. Júlio Maria em 1933.
Menino de doze anos, transpus os umbrais do Seminário Apostólico de Manhumirim, acompanhado de meu saudoso pai, que vinha entregar-me a um outro pai, que haveria de exercer sobre minha vida tão imensa influência.
Tarde escaldante de primeiro de fevereiro. Após longa espera na sala de visitas, entrou o Pe. Júlio Maria, que vinha do Colégio das Irmãs. Alto, longa barba, olhar flamejante, firme. Mas bondoso, afável.
Foi a imagem que me ficou presa n’alma de criança tímida e ansiosa, ao contato passageiro de uns quinze minutos.
Nos dias seguintes, aquela imagem, que mais incutia temor e reverência do que inspirava amizade, se acentuou no meu espírito. Pe. Júlio era para mim um homem extraordinário, que nunca tinha visto semelhante, e que criava em mim um misto de medo e de segurança. Medo, não sei de quê. Certamente, de seu olhar penetrante e de seu rosto às vezes austero. Mas, segurança, confiança no futuro, nas horas incertas, quando ele ensinava.
Tímido quando o procurava, enchia-me de alegria quando ele falava. E me sentia amparado, forte, decidido a ser homem, como ele era.
O outro lado do homem
Muito mais tarde, quando fui noviço e professo, nosso relacionamento se acentuou. Vi, então, de perto, mais que o homem, o enorme homem, forte e austero. Comecei a perceber o religioso, o homem que rezava, o penitente, o pobre, o padre que amava a Igreja.
Eu amadurecia, perdera em parte a timidez, e começava a apreender novos aspectos nas pessoas e nas coisas. E o Pe. Júlio Maria como que desabrochava numa nova figura diante de mim.
Vi, então, que aquele que me parecia severo, era, atnes de tudo, severo consigo mesmo. Enérgico, sua energia era virtude que vencia o comodismo humano.
Ele fazia o que pregava. Ensinava a pobrez, e era pobre. Dizia que era preciso rezar, e rezava com alma aberta e confiante. Pregava o zelo, e o mostrava na sua conduta de padre, que não conhecia momentos de descanso.
Foi ao lado deste Pe. Júlio Maria que vivi doze anos. Cinco anos impressionado pela figura do homem, sete edificado pela presença do padre, do fundador, e só hoje sei dizer: do carismático, do enviado, do homem de Igreja.
O outro lado da história
Há fatos que a gente presencia na vida e só balanceia mais tarde. Eles ficaram como absorvidos na sequencia do dia a dia. Foi assim que participei de alguns acontecimentos da vida familiar do grande missionário de Manhumirim, cujo alcance somente agora posso avaliar.
E mesmo alguns fatos de sua vida passada, que pesquisei e escrevi em sua biografia, somente hoje, amadurecidamente, consigo poderar, atinando com seu alcance no contexto da História.
Vejo que a maioria dos episódios, ou a contextura de todos eles, na vida do Pe. Júlio Maria, tinha um sentido de projeção para o futuro.
Homem que se entregara à Igreja, para seu serviço, e que fora eleito para uma especial missão de Igreja, o Pe. Júlio Maria não construiru para si uma obra no presente. Ele, sem o saber, e sem nós o lobrigarmos também, edificava a própria Igreja, enquanto configurava uma Igreja particular e local, dando-lhe traços específicos e crinado uma realidade nova e importante, que haveria de influir para o futuro.
Quando ele morreu, naquela tarde trágica, inundada de chuvas, cheia de angústia na casa imensa, que aguardava à hora do jantar o seu sorriso e que recebeu o seu cadáver, eu senti que tudo ia começar de novo.
Isto é, parecia-me que principiava a façe oculta da História. Tudo ia começar de novo: o Pe. Júlio reconstruindo, lentamente, a sua obra na luz de Deus.
Não me enganei. Uma história nova se iniciou. E era a verdadeira. A História.
Fonte: Miranda,sdn, Dom Antônio Affonso de. Pe. Júlio Maria, Testemunho de Uma Nova Igreja. Belo Horizonte: O Lutador, 2ª Edição.
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