CAPÍTULO II
O CULTO DE MARIA
Devemos honrar Maria Santíssima: ninguém pode duvidar disto. Nossos irmãos separados da verdade católica, os protestantes, têm sido bastante ilógicos recusando à Mãe de Deus a honra e o louvor que sua dignidade e suas virtudes exigem.
O culto de Maria está baseado em razões tão transcendentes, que quem sabe e procura refletir prostra-se necessariamente aos pés desta sublime criatura, para redizer, ou, melhor, para realizar a grande profecia que o Espírito Santo pôs nos lábios d’Ela um dia: – “Beatam me dicent omnes generationes” – “Todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!”.
I. Dignidade de Maria
Devemos honrar Maria Santíssima. Somos-lhe devedores de um culto, que, embora infinitamente inferior ao que prestamos a Deus, é completamente superior ao que é devido a uma simples criatura.
Maria é uma criatura exaltada, glorificada, Bem-Aventurada mais que todas as outras, elevada a uma dignidade quase infinita.
“A maternidade divina, de fato, pertence a uma ordem à parte, chamada Ordem Hipostática, e tem com esta ordem uma relação necessária”, diz o grande teólogo Suarez.
Santo Tomás chega a dizer: “A dignidade de Mãe de Deus é uma dignidade infinita” – “Beata Virgo, ex hoc quod est Mater Dei, habet quamdam dignitatem infinitam, ex bono infinito quod est Deus.” – Summ. I part. XXV. Art. VI.
Pois a esta dignidade, única em sua espécie, corresponde um culto, único também: o culto de hiperdulia que a Igreja só presta à Virgem Santíssima.
Mas não basta honrar Maria... como também não basta somente honrar a Deus.
Contentar-se em prestar a Deus somente um culto de louvor seria cair no erro protestante, que coloca a salvação apenas na fé e ensina que basta crer em Deus e louvá-lo, para ser perfeito cristão.
O bom senso já fez justiça a essas asserções luteranas. Crer é o alicerce; o edifício são as obras. Querendo construir um edifício, quem se contenta só com os alicerces?
A fé é uma semente lançada em nossa alma.
Mas toda semente é destinada a germinar, a crescer e produzir flores e frutos. Do mesmo modo, a fé deve crescer e produzir frutos, que são as obras da justiça. Não é somente a fé que salva, mas as obras produzidas pela fé.
Este raciocínio se aplica tanto ao culto devido a Jesus Cristo quanto ao culto devido à Maria Santíssima. Devemos um culto à Mãe de Deus. É a semente. E esta semente deve produzir flores e frutos. Isto é, este culto deve manifestar-se por obras.
Continuando a comparação, digo que é a flor que vamos presentemente estudar, reservando para um outro estudo “o fruto bendito”.
Qual é esta flor, e qual é este fruto?
A Flor do culto de Maria é o Dom de si mesmo a esta boa Mãe.
O Fruto é a Imitação de suas virtudes.
A prova é de fácil compreensão para todos, e serve de base a toda a Mariologia.
II. Lei Circular
Existe na religião católica uma lei fundamental, chamada pelos teólogos: lei circular. É ela que preside a tudo e tudo explica. Esta lei é o dom de si.
Como dizem os teólogos, é uma lei circular: Deus se dá ao homem; o homem deve dar-se a Deus.
Tudo procede de Deus; tudo deve voltar para Ele.
Deus se deu a nós, para nos mostrar como devemos dar-nos a Ele.
E como foi que Ele se deu a nós?
Por Maria.
Como devemos dar-nos a Ele?
Por Maria.
Em Maria está, pois, a mais bela aplicação desta “lei circular”.
Por meio d’Ela, “o dom” vem do alto do céu à terra; e, ainda por meio d’Ela, volta da terra para o céu.
É o papel mediador de Maria entre Deus e os homens. Por criação e por natureza, somos de Deus e para Deus. E Deus quer que, por nossa espontânea vontade, renovemos este dom de nós mesmos, na forma por ele prescrita.
Ora, Ele se deu a nós Por Maria. Logo, Ele quer que, nos demos a Ele também Por Maria.
Deste modo, o dom de si é verdadeiramente uma flor, que desabrocha sobre a haste do culto da Mãe de Deus.
A flor desabrocha antes do fruto. Não é, pois, o fruto. Mas, sem ela, não haveria fruto; seria a esterilidade.
Para darmos ao culto de Maria toda a força e toda a expansão, para recolhermos desta bela haste o desejado fruto da virtude e da santidade, é preciso que façamos desabrochar a flor.
Em outros termos:
Para dignamente honrarmos à Virgem Santa, como Deus quer que Ela seja honrada, é mister que nos demos a Ela, e, por Ela, a Jesus Cristo, seu filho. Sem isto, sem este dom espontâneo e voluntário, a graça divina não circulará em nossas almas; mais abundante e mais ativa, para nos facilitar a reprodução dos exemplos do Salvador, de quem a Virgem Imaculada é a cópia suave e sem mancha. É o que queremos estudar nestas páginas.
* * *
Firmados nos princípios mais sólidos da teologia e nos ensinamentos dos santos, faremos todo o possível para ficar sempre ao alcance de todas as inteligências.
Entretanto, cumpre notá-lo, para serem bem compreendidas e bem apreciadas, estas páginas exigem uma leitura repetida.
Não basta lê-las de um só folego; é preciso relê-las, meditálas, assimilá-las.
Para as almas piedosas, que buscam a perfeição, elas hão de ser um feixe luminoso, hão de descortinar-lhes aos olhos um horizonte talvez desconhecido, e, ao coração, um verdadeiro segredo, o segredo do amor à Santíssima Virgem.
Mas torno a repetir: Estas páginas se dirigem às almas sérias, piedosas, ou, ao menos, desejosas de o serem. Às que são frívolas, elas ocultarão o segredo... Porque em almas que são como a terra das estradas, não pode germinar uma semente divina, disse Nosso Senhor – Mt 13, 18.
Felizes os corações que tudo compreenderem!...
E mil vezes mais felizes os que a praticarem com fervor!...
Os anjos hão de inclinar-se, radiantes e alegres, reconhecendo nestes corações justos a imagem e o sorriso de sua Rainha celestial.
III. Divisão geral
É nosso dever honrar a Santíssima Virgem. E quão suave é este dever! Já tratamos deste assunto em outro trabalho. Expusemos ali o primeiro modo de amarmos a Mãe de Deus. Mas o amor não pode parar aí; ele tem asas...
Quem ama não se contenta com honrar, mas suspira pela posse do ser amado.
E quando este ser não é um objeto inerte e sim uma pessoa, a aspiração natural do amor é dar-se a ela, ser possuído por ela.
É o segundo modo de amar a Virgem Santa.
Dar-se a ela, pertencer a ela, ser d’Ela propriedade, da maneira mais íntima e irrevogável – eis a aspiração de toda alma apaixonadamente cristã.
Mas como realizar isto?
Como identificar-nos com ela, como “perder-nos em Maria”?
Pergunta deliciosa!
Vamos dar-lhe a resposta neste estudo.
Procuraremos, por isso, entre as devoções, a que mais nos une a Maria Santíssima; e depois de encontrá-la estudaremos, até nos pormenores, os seus motivos e a sua prática.
Será assunto de todo este livrinho.
Dividimo-lo em quatro partes:
I . O DOM DE NÓS MESMOS A MARIA,
ou os diversos modos de pertencermos à Virgem Santa.
II. O DOM MAIS COMPLETO DE NÓS MESMOS,
ou a Santa Escravidão ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.
III. A PRÁTICA DERIVANTE DESTE DOM,
ou a maneira de viver a Santa Escravidão, de percorrer seus vários graus, até a união mais íntima com a Santíssima Virgem.
IV. AS RELAÇÕES DA SANTA ESCRAVIDÃO
com a doutrina da Santa Igreja.
Aconselhamos a leitura de “O Segredo de Maria”, de São Luís Maria Grignion de Montfort, que servirá a um tempo de obra de consulta e base ao sistema de espiritualidade proposta pelo mesmo santo.
Maria...
ResponderExcluirSó o nome, pronunciado com leveza, já é música aos nossos ouvidos.
"Devemos honrar Maria Santíssima. Somos-lhe devedores de um culto, que, embora infinitamente inferior ao que prestamos a Deus, é completamente superior ao que é devido a uma simples criatura."
Palavras que por si só já dizem tudo sobre essa que é nossa "mãezinha do céu".
Parabéns! Grande abraço.