Nesse II Domingo da Quaresma, apresentamos esse texto do Pe. Júlio Maria sobre o jejum e a abstinência. Foi retirado do livro polêmico Luz nas trevas. Não obstante o tom apologético, consideramos que é eficiente para despertar os bons sentimentos quaresmais.
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I – A razão de ser
A
Igreja, ciosa de seguir em tudo as prescrições e os conselhos do Divino Mestre,
prescreveu o jejum e a abstinência, como penitência, em certos dias do ano.
O jejum
consiste em privar-se de uma parte dos alimentos habitualmente usados, e
refere-se à quantidade do mesmo alimento.
A
abstinência consiste em privar-se de carne em certos dias, por espírito de
penitência, e refere-se, pois, à qualidade do alimento.
Jesus
Cristo prescreve o jejum sem indicar o dia deste jejum; aconselha esta prática
como meio de alcançar o perdão das faltas, de expiá-las e de domar as paixões
da carne. Tudo isto está claramente indicado na Bíblia.
Não
tendo Jesus indicado o tempo, nem o dia destas penitências, cabe à Igreja
determiná-los, para que os conselhos e preceitos do Salvador não fiquem
esquecidos.
Percorramos,
meu caro crente, os exemplos, os conselhos e preceitos do jejum,
indicando bem os passos, para que o amigo os possa verificar em sua Bíblia.
II – Preceito do jejum
Digo
logo, para espantar o meu amigo crente, que o jejum constitui não simplesmente
um conselho ou uma lei eclesiástica, mas sim uma lei divina, como a oração
e a esmola.
A prova
é simples: o que Jesus Cristo une num mesmo preceito, deve possuir a força
deste preceito. Ora, lemos em S. Mateus que o Salvador fez três preceitos para
cumprir a lei e as profecias: esmola, oração e jejum.
O
capítulo VI de S. Mateus é a majestosa exposição desta verdade. Jesus Cristo
diz ao terminar: Quando jejuardes, não vos mostreis tristes... Ungi as
vossas cabeças e lavai o vosso rosto... para não parecer aos homens que
jejuais, mas a vosso Pai, que vos recompensará (16,17,18).
Em
outro lugar o Salvador ensina que há tentações, que só se combatem à força
de oração e do jejum (Mt 17, 20).
Ora,
todos nós somos tentados. Todo homem é tentado pela sua própria
concupiscência, diz S. Tiago (1, 14). Para resistir a estas tentações
precisamos, pois, recorrer à oração e ao jejum.
Eis já
o quanto é claro e irrefutável.
Examinemos
agora se o tal preceito foi praticado pelo próprio Salvador.
III –
Exemplo de Jesus Cristo
O
grande modelo a imitar é Jesus Cristo. Ele é o caminho: Ego sum via veritas
et vita (Jo 14,6). Ora, lemos em S. Mateus que antes de iniciar a sua
grande obra – a fundação da Igreja – o Salvador foi conduzido ao deserto,
onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4,1-2).
Como é
que os amigos protestantes, que pretendem seguir a Bíblia à risca, não imitam a
Jesus Cristo jejuando, em vez de atacarem o jejum praticado pelos católicos, em
imitação do seu divino modelo? Que contradição! A Bíblia está repleta de
exemplos de jejum. Em toda parte, em todas as necessidades encontramos a
oração e o jejum, como duas práticas inseparáveis, para aplacar a
Deus e obter os seus benefícios.
O jejum
é como o sustento da oração. É boa a oração acompanhada do jejum, diz Tobias
(12,8). Voltei meu rosto para o Senhor, meu Deus, para o rogar, o conjurar
em jejuns, diz Daniel (9,3-4).
O ímpio
Acab, provocando a justiça de Deus, por causa da vinha de Nabot, jejuou
coberto de um cilício e alcançou certa indulgência.
Os
ninivitas, urgidos que fizessem penitência, observavam o jejum, para alcançarem
a clemência de Deus, etc., etc.
IV – A origem da quaresma
A
quaresma, ou os quarenta dias de jejum, praticados na Igreja Católica, foi
instituída pelos Apóstolos, em lembrança do Jejum de Jesus Cristo.
A prova
desta asserção encontra-se na regra traçada por Santo Agostinho: “Toda prática,
diz ele, recebida por toda a Igreja e cuja origem não pode ser atribuída nem a
um bispo, nem a um papa, nem a um concílio, deve ser considerada como uma
instituição apostólica.”
Ora, a
quaresma foi sempre observada por todas as nações cristãs e não se pode fazer
remontar a sua origem a uma instituição humana, posterior ao tempo dos
apóstolos; logo foi instituída por eles.
Os
amigos protestantes dizem que tal prática foi instituída pelo Concílio de
Nicéia. É falso, pois o Concílio de Nicéia realizou-se em 325, e encontramos já
nos escritos de Tertuliano e de Orígenes, no ano 200, a menção positiva da
quaresma.
S.
Jerônimo, no ano 400, escreveu: “Segundo a instituição apostólica, observamos
um jejum de 40 dias.” (Ep. ad Marcel. ).
S. Leão
é mais positivo ainda: “Foram os apóstolos, -diz ele- que, por inspiração do
Espírito Santo, estabeleceram a quaresma.”
“Jejuamos
em qualquer outro tempo, - diz também S. Agostinho- se quisermos, mas durante a
quaresma, pecamos se não jejuamos”.
Eis,
pois, bem demonstrado que a quaresma é uma instituição dos Apóstolos,
instituída por eles, talvez por ordem ou conselho de Jesus Cristo, para lembrar
e imitar o jejum de 40 dias do próprio Salvador.
V – O jejum na antiga e nova lei
O jejum
da sexta-feira, como já disse, não existe senão na cabeça do protestante à cata
de objeções; mas se existisse, teria inda a sua razão de ser, o seu fundamento.
Este fundamento seria a Lei da Igreja.
A
Sagrada Escritura prova a necessidade do jejum, sem determinar os dias deste
jejum. Os apóstolos instituíram a quaresma. A Igreja de Jesus Cristo possui uma
autoridade divina, igual à autoridade dos apóstolos, pois o papa é o legítimo
sucessor dos apóstolos. É, pois, inegável que o Papa possa prescrever jejuns ou
suprimí-los, em certos dias, para um fim útil ou conveniente. O jejum, como
mortificação do corpo, é um preceito divino; o modo prático de exercê-lo
deve ser regulamentado pela Igreja, por lei eclesiástica, que obriga a
consciência.
A
Igreja recebeu do seu divino Fundador o poder de legislar, ou formar leis; tal
poder pertence necessariamente à autoridade de governar que S. Pedro
recebeu do Salvador: Dixit ei (Pedro): Pasce oves meas (Jo 21,17).
Não se
pode negar este poder à autoridade eclesiástica, tanto mais que a antiga lei
dava tal poder a seus chefes, como lemos na Bíblia.
Jozafaz
fez publicar um jejum em toda a Judéia, o que foi aprovado pelo
Senhor, que lhe concedeu o favor implorado.
Esdras
publicou também um jejum pela feliz jornada dos judeus que voltaram do
cativeiro da Babilônia. Publiquei um jejum, diz ele; nós jejuamos,
pois, e tudo nos sucedeu com felicidade (1Esd 8,21-23).
Jeremias
publicou igualmente um jejum em Jerusalém, para toda a multidão que vinha de
Judá, a fim de aplacar as vinganças do Senhor (Jer
36,9).
O
profeta Zacarias faz menção de quatro jejuns, ordenados por Deus (Zac 3,19).
Eis
como a Igreja do Antigo Testamento preceituava o jejum e determinava o tempo e
o modo de praticá-lo, por ordem divina. É, pois, lógico que a Igreja do Novo
Testamento goze do mesmo poder de que gozava a Igreja antiga, que era apenas o
esboço, o símbolo e a Imagem da Igreja de Cristo.
VI – A abstinência de carne
Devemos,
pois, concluir que a Igreja tem o direito de impor, em certos dias
determinados, o dever de jejuar e de abster-se de certos alimentos por
lei positiva do poder eclesiástico.
Se tem
o poder de prescrever o jejum, deve ter também o de prescrever a abstinência
de certos alimentos. Tal abstinência não é novidade; existiu na lei antiga,
como existe hoje na Igreja Católica.
Os
próprios apóstolos prescreviam tal abstinência. Abster-vos-ei das carnes
sacrificadas aos ídolos, do sangue e dos animais sufocados, dizem os Atos
(15,29).
Se os
apóstolos prescrevem de abster-se de certas carnes, podem naturalmente
prescrever tal abstinência em tempo e dias marcados, como fez a Igreja,
prescrevendo em certos países a abstinência de carne, nas sextas-feiras, em
lembrança da morte do divino Salvador. É claro, simples e incontestável.
VII – Conclusão
A
conclusão é irrefutável. A Igreja Católica, fiel aos ensinamentos da Bíblia,
apóia-se em todas as suas doutrinas sobre o texto sagrado, e faz dele o
pedestal divino dos dogmas, da moral, e até das cerimônias do culto.
O
protestantismo, ao contrário, limita-se em exaltar a Bíblia, e na prática
afasta-se completamente dos ensinos da mesma Bíblia. Jejuar e abster-se de
certos alimentos é uma prática que vem do berço da humanidade: pouco importa
que o protestante proteste, porque a sua lei, a base do seu credo é protestar
contra a verdade católica.
Se a
Igreja proibisse o jejum e a abstinência, os amigos protestantes citariam centenas
de textos para provar que o jejum e a abstinência são preceitos divinos. E
estes textos podem ser encontrados, de fato.
A
Igreja, firme em sua resolução divina, sustenta a verdade; e o protestante,
embora não encontra nenhum texto, absolutamente nenhum, contra o jejum e a
abstinência, protesta e quer ver textos que provem que se deve jejuar nas
sextas-feiras.
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