Por Pe. Aureliano de Moura Lima, sdn
Conselheiro Geral
A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao
outro do que é ‘meu’; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro
o que é ‘dele’, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso
‘dar’ ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por
justiça. Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, justo para com
eles. A justiça não só não é alheia à caridade, não só não é um caminho
alternativo ou paralelo à caridade, mas é ‘inseparável da caridade’, é-lhe
intrínseca. (CinV, 6).
Ao iniciar com as palavras de Bento XVI em sua última
encíclica Caritas in Veritate (CinV), quero dizer que o Pe. Júlio Maria foi um
homem que exerceu a caridade na verdade. Deu de sia para aquelas realidades
sofridas que ele buscou transformar a partir de dentro. Tudo o que ele tinha de
mais precioso: sua vida, suas provisões, sua estima e honra, sua terra natal,
sua família distante, ser caluniado, injustiçado, ameaçado, noites de sono, lazer,
tudo o Pe. Júlio ofereceu para as obras que realizou pelo bem das pessoas e da
Igreja.
O Bispo missionário na África pediu uma esmola para os
pobres africanos. O jovem Júlio Emílio (mais tarde Pe. Júlio Maria) decidiu
oferecer a sua vida pela missão. Não quis dar algo, mas deu-se a si mesmo. E
fê-lo sem recuar jamais. Passou pela África, retornou à Europa, foi enviado
para o Brasil e por aqui viveu 32 anos sem jamais voltar à sua terra natal.
Dedicou-se totalmente à missão que lhe foi confiada. Mais. Não se satisfazia em
cumprir o estabelecido. Talvez esse seja seu grande mérito. Foi além. Fundou
três Congregações Religiosas para cuidar dos pobres que lhe eram muito caros.
Preocupava-se com os doentes: arranjou uma farmácia e ajudou
a construir um hospital. E as crianças abandonadas? Um patronato para elas! O
que fazer pela juventude sem perspectiva? Irmãs para a educação e fundação de
colégios! O que fazer com os idosos abandonados? Asilos, abrigos! E a formação
moral, intelectual, religiosa do povo, como fica? Livros, jornais, Congregações
para dar-lhes apoio e suporte!
Vejam que o Pe. Júlio Maria não parava. Olhava o mundo com o
olhar de Jesus. Não se limitava a uma caridadezinha de assistência aqui ou
acolá, não. Os projetos pululavam em seu coração e sua mente. Arranjava jeito e
gente para levar adiante seus projetos. Contagiava, aquecia o coração de seus
seguidores. E os entusiasmava de tal maneira que levavam adiante suas
iniciativas.
Hoje estamos tentando alavancar, de modo novo, a ‘caridade na
verdade’ que sustentou as obras sociais do Pe. Júlio Maria. Muitas vezes somos
premidos pelas exigências legais da filantropia e deixamos de realizar o bem
caritativamente. Corremos o risco de realizar os projetos sociais em vista do
cumprimento duma exigência jurídica. Será que não estamos querendo apenas ser
justos, isto é, dar o que é do outro? E o Papa diz que o plus da caridade é que
nela damos o que é nosso, daquilo que é meu. Aí está a verdade da caridade. “Sem
verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e
responsabilidade social, e a atividade social acaba à mercê de interesses
privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo
numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os
atuais” (CinV, 5).
Vale a pena mencionar ainda Caritas in Veritate (6): “A ‘cidade
do homem’ não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas
antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade
manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal
e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo”.
Nas pegadas do Pe. Júlio Maria queremos que a
nossa ação social seja marcadamente eucarística: “Façamos ação social eucarística”
dizia nosso fundador. Para isso é preciso superar a mentalidade do jogo de
interesses que caracteriza nossa sociedade neoliberal e entrarmos na lógica da
Eucaristia: amar até o fim.
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