Quem, durante a vida de Maria, passasse diante da casinha de Nazareth, nada notaria que destoasse da existência comum às famílias operarias: pobreza, trabalho, retraimento, eis o que caracterizava a aparência do lar humilde que abrigou o mais formoso dos filhos dos homens, e a mais santa das filhas de Eva.
Esta verdade não foi logo compreendida pelos artistas que porfiaram por fixar em suas telas a vida de Nossa Senhora em Nazareth.
É natural.
As coisas de Deus são, como as ciências terrestres, aprofundadas aos poucos. O tempo, a reflexão, a experiência ensinam a desembaraçar a verdade das meadas do erro. A meditação cristã foi ao culto mariano o que é a picareta ao veio precioso escondido nas entranhas do sub-solo. Até encontrar o ouro da verdadeira devoção marial, foi mister cavar e remover muitas idéias menos justas.
É assim que os primitivos pintores da Idade Média representavam a Virgem em atitudes hieráticas, numas posições solenes, com ares severos e feições um tanto duras. Maria rigidamente sentada, carrega com uma sacerdotal gravidade a Jesus que parece, não o menino amorável de Nazareth, mas sim o Soberano Senhor das coisas e o Doutor Universal. Nestas pinturas há mais o reflexo do temor reverencial do que do amor filial que à Virgem nos deve prender.
Esta representação de Nazareth era inexata.
Bem o compreenderam os artistas posteriores que humanizaram o delicioso grupo de Maria e de Jesus.
Jesus aparece ais menino, mais humano, deliciosamente infantil: esperneia, tende os bracinhos, chora, ri sorrir e tem todos os adoráveis caprichos dos petizes acalentados sobre o peito da mamãe. Embora nimbado com o arrebóis da divindade, o Jesus dos pintores ulteriores é mais parecido com o encantador bebê de Nazareth.
Maria desce igualmente de seu pedestal sublime e torna a ser a mãe meiga e solicita. Amamenta, envolve em cueiros, amima, consola, embala beija, abraça e acaricia a Jesus que, deste modo, participa de todos os carinhos que sabe inventar o afeto das mães. Os grandes mestres do pincel medieval nada esqueceram das graciosas atitudes que, verossimilmente, Maria tomou em Nazareth para provar ao seu filho o seu imenso amor, e para desempenhar o seu oficio de Mãe diligente.
Meditem as mães cristãs o seguinte edificante trecho de antigo autor:
“Em Nazareth, Maria repousava o rosto sobre as faces do filhinho a quem amamentava, consolando-o melhor possível, por isso que Jesus, como fazem as criancinhas, chorava freqüentes vezes porque abraçara a miséria de nossa humanidade”.
Os pintores tiveram no Lar Nazarento uma inesgotável fonte de inspiração, e não deixaram inaproveitada nenhuma das cenas tocantes que fazem das famílias uns santuários de inocência, de pureza e de afetos ternos.
Queira Deus, Nosso Senhor, multiplicar os lares onde, à longínqua semelhança do de Nazareth, reinem, sobrenaturalisados pelo amor de Deus, os belos sentimentos
Fonte: Revista "Voz de Nazareth", nº 4, abril de 1930.
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