sábado, 5 de março de 2011

O Segredo da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria [VI]




CAPÍTULO III
A META E O CAMINHO

Antes de entrarmos nos pormenores da doutrina que queremos desenvolver aqui, é mister considerar e determinar teologicamente a meta final e o caminho que nos deve conduzir até lá. Evitaremos assim, toda hesitação em questões delicadíssimas de tão profundo alcance na vida espiritual.

Precisemos, pois, rigorosamente,o papel da Virgem Imaculada em relação a Jesus Cristo e a nossa alma. Este ponto de vista, substancialmente contido no axioma, hoje clássico: – “Ad Iesum per Mariam” – “A Jesus por Maria” – é a base fundamental da espiritualidade mariana.

I. Presença de Jesus em nós

É por não terem compreendido esta meta e esta via, que certos autores, embora louvem e exaltem a Virgem Santíssima, não lhe dão, entretanto, o lugar que merece e deve ocupar conforme os desígnios divinos. Receando exagerar, diminuem-lhe o valor. E deste modo, mostram-nos Maria diminuída, muito abaixo do ideal de nossos corações e da realidade. Oxalá possamos evitar este escolho e mostrar Maria tal qual é, em todo o esplendor de seu poder e condescendente misericórdia!

Nosso Senhor disse de si mesmo, que Ele é para todos: “ o caminho, a verdade e a vida”. São Paulo, na sua linguagem enérgica, nos diz que a sua vida sobrenatural é Cristo: “Mihi vivere Christus est”.

Jesus Cristo deve viver e crescer em nós. “Cresçamos, – diz ainda o grande Apóstolo – cresçamos em Cristo, de toda maneira, por toda espécie de boas obras, santificando-nos em todas as coisas”.

Jesus Cristo vive em nós, porque é o princípio e a causa eficiente de nossa vida sobrenatural, da mesma forma que é o exemplar de nosso estado de graça.

Quem examina a fotografia de alguém, diz: “É ele mesmo!” De igual modo e com mais razão se pode dizer da alma em estado de graça: “É Cristo mesmo!”.

Jesus reside em nós pela fé e pela caridade, segundo sua própria palavra: “Se alguém me ama... meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos n’Ele nossa morada” – Jo 14, 23.

Mas como entender esta presença de Jesus Cristo em nós? Não pode ser pela substância de sua humanidade. Esta sagrada humanidade só está substancialmente em nós na Comunhão Eucarística. Resta apenas um outro meio de sua presença: pela divindade.

E como está Ele em nós pela divindade?

Mediante a graça, que é uma participação à natureza divina. “Pela graça – diz São Pedro – participamos da natureza divina” – “Divinae consortes naturae...”. Escutemos a este respeito o grande Santo Tomás – I. q. XLIII, a. 3.

“Acima do modo comum, pelo qual Deus habita em toda criatura, há um modo especial, por que Ele exclusivamente habita na criatura racional, e é como o conhecido está naquele que o conhece, e o amado no amante” – Sicut cognitum in cognoscente et amatum in amante.

“Mas, como a criatura que conhece e ama – trata-se do conhecimento pela fé, e o do amor pela caridade – alcança Deus mesmo por sua operação, resulta disso que Deus, por este modo de presença, não só está presente na criatura, mas nela habita, como em um templo”.

II. Participação da natureza divina

Notemos ainda que a graça não muda a nossa natureza na de Deus. A natureza divina é incomunicável. Ficamos totalmente homens. Só Deus nos pode dar uma perfeição modelada sobre sua natureza – um grande teólogo, Franzelin, caracteriza a nossa participação na natureza divina por duas palavras: formaliter et analogice. É uma forma de maneira de ser divina. Mas, em Deus, ela é a essência; em nós, acidente. Isto nos permitirá operar como Deus, enquanto a criatura for capaz de assim agir.

Qual é a operação própria de Deus?

É a de conhecer-se e amar-se com um amor correspondente a este conhecimento. Logo, quando, pela graça, Deus nos faz conhecê-lo e amá-lo aqui na terra na ordem da fé, e no céu, na ordem da glória, participamos, verdadeiramente da natureza divina. Temos em nós a vida de Deus. Pois, como disse Nosso Senhor, “a vida eterna consiste em conhecer-te, a ti só, Deus verdadeiro, e Àquele que enviaste, Jesus Cristo” – Jo 17,23.

Pela fé e pela caridade alcançamos a própria essência de Deus! Não diz São João que a essência de Deus é caridade? – “Deus Caritas est”. Sem dúvida, a fé não faz conhecer a Deus senão imperfeitamente. Ela no-lo mostra, diz São Paulo, “como num espelho”. Mas, um dia, na glória, a nossa inteligência poderá vê-lo face a face.

E quanto à caridade, que sempre acompanha a graça, ela é, nesta vida, da mesma natureza que na pátria celeste. É um amor de amizade, pelo qual Deus e a alma se dão mutuamente. “Possessio Dei fruendum”, diz a teologia.

Possuímos a Deus para d’Ele gozarmos. Ora, como não se pode gozar plenamente senão daquilo que está substancialmente presente, é preciso concluir que a divindade habita em nós, substancialmente pela caridade.

Eis o que está sólida e irrefutavelmente estabelecido. É o fundamento da teologia ascética e mística. Nossa vida é Cristo. O aumento da nossa vida (pois tudo que vive deve crescer) é ainda Cristo crescendo em nós. A glória será também Cristo coroando-se a si mesmo em nós.

Que inefável bondade de Deus!... Que glorioso destino para nós!...

A vida de nosso corpo é a alma; a vida de nossa alma é Cristo. Nossa vida é, portanto, verdadeiramente, Cristo. Qual a união que existe entre nós e a nossa vida, entre nossa alma e nosso corpo? Tal deve ser também a união existente entre Jesus e nossa alma.

III. Nossa deificação

Assim sendo Jesus Cristo é o fim e a via de nossa deificação. São Dionísio, o Areopagita, diz de fato: “A deificação da criatura consiste, quanto possível, na semelhança e na união com Deus” – Deificatio est Deo; quantum fieri potest, assimilatio et unio. – Hierarch. Ecc. 1,3.

Quanto mais íntima for nossa união com Jesus Cristo, tanto maior será também nossa graça e nossa semelhança com Ele, pois, união e semelhança com Deus, é o resultado da sua presença sobrenatural em nós.

E tanto nos adiantamos em santidade quanto crescemos em Jesus Cristo, ou, melhor, quanto Ele cresce em nós. “Todos os dons – afirma Santo Tomás – nos advêm da união a Jesus Cristo, da participação à sua graça”.

É esta verdade, tão consoladora e tão sólida, que constitui a base da nossa dependência de Maria Santíssima.

IV. Jesus e Maria

Até agora só tratamos de Jesus Cristo, de sua vida em nós, e de nossa união com Ele que é nosso termo e nosso caminho. Mas de Jesus a Maria a transição é fácil e suave. Se entendermos bem como cresce em nós a graça, ser-nos-á fácil deduzir o papel da Santíssima Virgem neste divino crescimento; Jesus Cristo nunca se separa de Maria. O fim de nossa devoção é vivermos numa completa dependência de Jesus Cristo. Mas para estabelecer esta completa dependência o meio escolhido pelo próprio Deus é Maria Santíssima.

Terminemos com esta verdade profunda e básica: Jesus Cristo vive em nós; deve ver coroada em nós sua obra; e para realizar este mistério de amor fez-nos participantes da natureza divina, para que fôssemos capazes de produzir obras dignas de Deus.

* * *

Pedimos aos leitores pouco afeitos a leituras teológicas não se esmoreçam diante da aparente aridez deste começo.

É necessário pôr um fundamento sólido, inabalável. Depois, é preciso mostrar aos homens de estudo e de leituras sérias, que a devoção à Mãe de Deus se baseia nos dogmas mais sagrados de nossa santa religião, e não é, como alguns pensam, efeito de sentimento, ou de piedoso entusiasmo.

Ponderemos este capítulo e o que dele deriva e, pouco a pouco, das aparentes trevas surgirá a luz precursora dum incêndio de amor, que abrasará nossos corações em face desta obra-prima das mãos do Todo-Poderoso – Maria.

Um comentário:

  1. Caríssimo Matheus,

    Laudetur Jesus Christus!


    Estou acompanhando a publicação de "O Segredo da verdadeira devoção". Está maravilhosa.

    O Pe. Júlio Maria foi um homem providencial, de excepcionais qualidades. Há desígnios de Deus sobre ele e sobre o Brasil que ultrapassam nossa limitada compreensão. Com toda certeza a publicação na íntegra desse livro tem um papel relevante para o futuro que no momento não conseguimos avaliar.

    Muito obrigado pelo seu esforço. Continue!

    In Jesus e Maria

    André

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